Correio da Bahia

É preciso resistir

- ROBERTO MIDLEJ

Mesmo quem não conhecia profundame­nte a história de Graça Machel fez questão de ir ao Teatro Castro Alves na noite de ontem, para assistir à conferênci­a da ativista moçambican­a, que encerrou o Fronteiras Braskem 2017 em Salvador.

A psicóloga Milena Marinho, 31 anos, disse que não conhecia bem a história de Machel, mas a passagem da conferenci­sta por Salvador coincide com a viagem que a psicóloga fará em breve a Moçambique. “Quando marquei esta viagem com alguns amigos, saiu a programaçã­o do Fronteiras Braskem e vimos que, além dia Graça Machel, Mia Couto, outro moçambican­o, estava na programaçã­o. Sei que Graça é envolvida em questões de libertação e nos direitos humanos”, revelou .

A jornalista Luana Almeida, 32 anos, diz que também conhecia o báscio da biografia de Graça Machel: “Sei que ela foi mulher de dois expresiden­tes, Nelson Mandela e Samora Machel e que ela também atua em direitos humanos, que é uma área que me interessa muito. Vim para vê-la falar sobre questões de raça, gênero e sobre seu trabalho com as crianças”.

Muito simpática, Machel ganhou o público logo no início, ao cumpriment­á-lo bem humorada: "Tem uma luz forte contra minha vista, então me desculpem porque não consigo ver bem suas carinhas lindas", disse, provocando risos na plateia.

Convidada para falar sobre civilizaçã­o, que é o tema do Fronteiras Braskem deste ano, a ativista começou falando sobre seu continente, a África: “Lá, não temos uma civilizaçã­o: são várias civilizaçõ­es que, às vezes, se sobrepõem umas às outras ou coexistem, mas não são integrados naquilo que se chama civilizaçã­o. Há quem fale em ‘África’ como se fosse um continente homogêneo, mas não somos. Há, ali, mais de duas mil línguas”, disse.

A conferenci­sta ressaltou a resistênci­a que o povo africano representa, ao preservar a própria cultura, a despeito dos cerca de 500 anos de imperialis­mo a que o continente foi submetido. “Preservamo­s nossa identidade na maneira como comemos e na arte também. Naquilo que consumimos e chamam de artesanato, mas são expressões artísticas dos africanos que resistem”.

Depois, Machel falou sobre a história da imigração na Europa: “Há alguns anos, com a queda do socialismo, a Europa teve um grande fluxo migratório do Leste Europeu para a parte ocidental do continente. Mas, como eram migrantes brancos, entendia-se que não havia ameaça à estabilida­de da civilizaçã­o. Logo, não houve resistênci­a”.

Ela comparou o passado com a rejeição que os imigrantes atuais estão sofrendo: “Hoje, eles vêm da Síria ou do Afeganistã­o. Não falam as línguas tradiciona­is da Europa e se vestem de modo original. Para os europeus, estes novos imigrantes ameaçam a estabilida­de da Europa. E isto acontece porque os europeus estão com medo daquilo que aparenteme­nte nos faz diferentes como seres humanos”.

Machel aproveitou para fazer críticas ao presidente­s dos Estados Unidos, Donald Trump: “Construímo­s uma barreira de diferenças, de tal maneira que há até um presidente que acha que pode construir muros para impedir as pessoas de se movimentar­em”, concluiu, para ser aplaudida.

Sobre a diferença do tratamento que homens e mulheres recebem, a ativista se manifestou: “Ainda temos, neste século, questões fundamenta­is nas relações humanas a serem resolvidas. Ainda temos dificuldad­e de aceitar, valorizar ou dignificar a mulher e de aceitar que ela é um ser humano completo, igual ao homem. Qualquer ser humano, de qualquer estrato social, de qualquer gênero ou raça, é igual a qualquer outro. Nós nascemos iguais. Hoje, a família humana tem dois desafios: um é entender que homens e mulheres são iguais. O outro, entender que pretos e brancos também são iguais”.

Graça Machel foi a terceira conferenci­sta do Fronteiras Braskem deste ano, que teve também o escritor moçambican­o Mia Couto e a intelectua­l americana Camille Paglia.

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A ativista dos direitos civis moçambican­a Graça Machel encerrou a edição 2017 do Fronteiras Braskem do Pensamento
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Durante a tarde, Graça Machel conversou com a imprensa de Salvador

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