‘Não esperava esse tsunami no final’
Saud antes de se exonerar da sua função de membro do Ministério Público Federal”.
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e a presidente da Corte, Cármen Lúcia, são citados nos áudios. Em nenhum deles, há menção ou atribuição a algum tipo de crime.
LENIÊNCIA EM RISCO
A possibilidade de rescisão do agora investigado acordo de delação premiada de executivos da J&F também coloca sob ameaça o acordo de leniência fechado há exato três meses pelo grupo controlador do frigorífico JBS.
Em sua penúltima cláusula, o documento estabelece um vínculo entre os dois acordos e expressa claramente que a leniência poderá ser rescindida integralmente caso o acordo de colaboração premiada seja anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Homologado há duas semanas pela Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, o acordo de leniência exime a empresa de punições por crimes descobertos em quatro operações da Polícia Federal - Greenfield, Sépsis, Cui Bono e Carne Fraca -, permitindo com que o grupo exerça suas atividades empresariais sem restrições. Essa imunidade libera a J&F a, por exemplo, contratar empréstimos de bancos públicos e receber incentivos fiscais. Para fechar o acordo, o grupo vai pagar multa de R$ 10,3 bilhões em 25 anos.
SUPREMO REAGE
A presidente do STF, Cármen Lúcia, informou ontem ter determinado a “investigação imediata” sobre menções feitas pelos delatores da JBS Joesley Batista e Ricardo Saud a membros da Corte. “Agride-se, de maneira inédita na história do país, a dignidade institucional deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes”, diz em vídeo divulgado na noite de ontem.
Citado nos novos áudios de Joesley Batista, o ministro do STF Gilmar Mendes classificou ontem, em Paris, o acordo fechado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como “a maior tragédia que já aconteceu na PGR”. Em Brasília, o corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, disse que “certamente” a imagem do STF já está arranhada em meio a menções de delatores a integrantes da Corte.
Para Gilmar, o acordo de delação negociado por Janot, que incluía o primeiro áudio da conversa gravada por Joesley, dono da JBS, mas ignorava a existência do segundo áudio, revelado anteontem, “é um desastre”. “É a maior tragédia que já ocorreu na Procuradoria-Geral em todos os tempos. Não tem nada igual”, disse na embaixada do Brasil em Paris, onde cumpriu agenda oficial.
JOESLEY SE DEFENDE
Em nota, Joesley Batista e Ricardo Saud pediram desculpas pelo conteúdo dos áudios gravados e entregues à Procuradoria-Geral da República.
“O que nós falamos não é verdade, pedimos as mais sinceras desculpas por este ato desrespeitoso e vergonhoso e reiteramos o nosso mais profundo respeito aos ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal, ao procurador-geral da República e a todos os membros do Ministério Público”, diz o texto. Em discurso emocionado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que viveu na segunda-feira “um dos dias mais tensos” no cargo, ao anunciar que pode rever o acordo de delação dos executivos da J&F. Ao falar sobre o cargo, ele afirmou que o momento da decisão é “solitário”. “Quando o procurador-geral erra, ele errou só. Quando ele acerta, acertou com toda sua equipe. Esse peso tira muito a energia da gente”, disse Janot, ao falar sobre seus últimos dias.
Segundo ele, os dois mandatos como PGR colocaram em seu caminho “desafios quase sobre-humanos”, em uma referência à Lava Jato.
“Não esperava esse tsunami no final da minha carreira. Nunca tive uma atuação forte na área penal, todo mundo sabe que essa não é a minha área e o desafio final foi esse”, disse Janot, na sua última sessão como presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal.
Sem mencionar a JBS, Rodrigo Janot falou sobre a decisão de segunda-feira. “Foi um dos dias mais tensos e um dos maiores desafios desse período”, contou, dizendo ter agido por medo de errar e de decepcionar.