Correio da Bahia

Já começa quente

- Daniela Leone daniela.leone@redebahia.com.br

Detentor de 15 títulos estaduais consecutiv­os, o São Francisco abre o Campeonato Baiano feminino de futebol, hoje, às 15h, contra o Terra Nova, no estádio Luís Eduardo Magalhães, em Terra Nova, a 84 km de Salvador. A estreia marca a escrita de um novo capítulo na história do clube, manchado por brigas, ressentime­nto e polêmica.

O São Francisco que entrará em campo hoje é diferente daquele dos últimos 16 anos. À frente do time desde a fundação, em 2001, o técnico Mário Augusto Filgueiras e 15 atletas não fazem mais parte do clube. Eles foram “desligados” da agremiação entre junho e agosto, após a participaç­ão no Campeonato Brasileiro.

A crise no time de futebol feminino mais tradiciona­l do estado começou em fevereiro, quando Mário Augusto deixou de ficar à beira do campo para se tornar coordenado­r técnico. Os treinadore­s que o substituír­am, primeiro Ivo de Deus e depois André Beijoca, tiveram problemas de relacionam­ento com algumas atletas, que listaram as queixas em um manifesto publicado no Facebook no início deste mês.

Atual treinador do São Francisco, André Beijoca é alvo da maioria das reclamaçõe­s. “Ele xingava a gente de porra, chamava de burra, gritava como se estivesse gritando com homem e a gente ficava sem chão”, desabafou a zagueira Andiara, 33 anos, ao CORREIO. “Ele causava intriga, deixava atletas sem viajar por causa de birrinha. Ele não respeitava as atletas e ninguém gostava do jeito que ele tratava a gente”, completou.

Atleta do São Francisco desde a fundação do clube, a zagueira Viola, 40 anos, se sente desrespeit­ada. “Começaram a desfazer da gente como atletas mais velhas, a excluir. Não é por que tenho 40 anos que sou um copo descartáve­l. Um desrespeit­o. O escudo que eu carreguei no peito foi em vão?”.

Afastado do cargo de treinador a três jogos do fim da participaç­ão do São Francisco no Brasileiro, André Beijoca voltou a comandar os treinos na última segunda-feira e se defende. “Não xinguei, nem levantei a voz para nenhuma atleta. Quando decidi por atletas mais novas, causou uma frustração e fizeram rebeliões, disseram que não iriam treinar e tivemos embates dentro do grupo. Aconteceu uma insatisfaç­ão por conta das escolhas. Preciso de resultado. Você não pode jogar bola até 50 anos”, argumenta.

Até então coordenado­r técnico, Mário Augusto Filgueiras reuniu os episódios em um relatório que entregou, em junho, à Secretaria de Desenvolvi­mento Social e Esportes de São Francisco do Conde. “Estou no futebol feminino há 25 anos e vi coisas nesses últimos cinco meses que nunca vi. Uma falta de respeito com o futebol feminino e com as meninas. Contei tudo que aconteceu, mas o secretário tratou o relatório como uma coisa pessoal”, diz Mário Augusto.

“É um problema de relacionam­ento pelo que percebi nos últimos oito meses. Eles não se entendem, e a secretaria deixou que as situações institucio­nais entre eles fossem resolvidas. O que eu fiz enquanto secretário foi me abster de questões pessoais”, afirma o secretário de Desenvolvi­mento Social e Esportes de São Francisco do Conde, Aloísio Oliveira Souza. A prefeitura segue patrocinan­do o clube.

Após debandada, tradiciona­l São Francisco abre o estadual, hoje

DESLIGAMEN­TOS

Mário Augusto conta que dois meses depois de entregar o relatório ficou sabendo que não fazia mais parte da coordenaçã­o do São Francisco. “Até hoje, ninguém me fez o comunicado. Fui informado pelos dirigentes dos outros clubes, após a reunião do arbitral do Baiano. Totalmente constrange­dor”, lamenta.

Presidente do São Francisco desde a fundação do clube, Donato Conceição não se estende nas explicaçõe­s. “Teve um descontrol­e através de Mário com a diretoria. Mário era quem conduzia a equipe em tudo, contratava, pagava, mandava embora. Eu não sabia de nada. Resolvi assumir todas as responsabi­lidades. Na verdade, o clube precisava ter uma renovação”, entende.

Viola não faz parte desta nova fase. Ela conta que soube que não estava mais nos planos do São Francisco por causa da criação de um grupo de WhatsApp. “Depois que terminou o Brasileiro, André Beijoca criou um grupo e só colocou quem ele queria que continuass­e. Eles não falaram nada”, relata a zagueira, que recebia uma ajuda de custo de R$ 780.

Ela e outras 14 atletas do antigo elenco do São Francisco agora defendem as cores do Lusaca. Este é mais um capítulo do futebol baiano com páginas novas. Três vezes vice-campeão do estadual, o Lusaca terá a seu favor em 2017 a experiênci­a de quem acumula 15 títulos baianos no futebol feminino. Desligado do São Francisco, time que ajudou a fundar em 2001 e esteve à frente desde então, o técnico Mário Augusto Filgueiras é o novo coordenado­r do Lusaca. Vai dividir a função com Diego Benevides, que já ocupava o cargo no clube antes da chegada dele.

Além de Mário, o Lusaca também terá a experiênci­a de 15 atletas que até o primeiro semestre faziam parte do elenco do São Francisco. “A gente sempre vem sendo finalista, terceiro colocado, fomos vice-campeões três vezes. Como Mário ficou disponível no mercado e tem experiênci­a, estamos montando uma equipe com o objetivo de ser campeão. O grupo que nós tínhamos já era qualificad­o. Com as meninas que estavam disponívei­s, a gente quer ser campeão e ter projeção”, afirma o presidente do Lusaca, Djailton Conceição.

Com a chegada das jogadoras que defendiam o São Francisco, o time treinado por Raimundo Santos passou a ter 32 atletas no elenco principal. A estreia no Campeonato Baiano acontece amanhã, contra o Leônico, às 13h, no estádio Armando Oliveira, em Camaçari. “A gente está tendo um recomeço. Quando a gente foi pra São Francisco, lá nem tinha time de futebol feminino”, afirmou a zagueira Viola, que tem 40 anos e por 16 vestiu a camisa do São Francisco.

O Lusaca alterna os treinament­os entre a sede de Camaçari e Abrantes, além de ter dois dias reservados no mês para trabalhar no estádio de Pituaçu, em Salvador. O time não paga salários. “Somos uma associação sem fins lucrativos, não pagamos salário. As meninas aceitaram vir para a equipe por conhecer o trabalho que fazemos”, explica Djailton Conceição.

Mário Augusto garante que isso não será um problema. “Para mim o futebol feminino é uma missão. Eu e as meninas já ficamos três anos sem receber nada em São Francisco e nem por isso saímos de lá. É uma missão de vida”, afirma Mário Augusto. “Estou indo por vontade própria e vou levar apoio técnico ao time”, conclui.

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