Correio da Bahia

Ministério Público interdita galpão

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fecho fundo das caixas, boto camisinha nas garrafas (rótulos), arrumo no palete e carrego o caminhão.” O resultado é sentido no corpo. “Sinto dor nas juntas, nas mãos, nos braços, isso por causa dos movimentos que a gente faz. Porque a gente tem que fazer força para envasar. Não tem a máquina adequada, é uma máquina improvisad­a”, diz ela.

Ao lado de sacos enormes com pets pequenas de cachaça, conhecidas como “bombinhas”, Natércia é uma das responsáve­is por envasar o produto. “É um pouco difícil, né? Não ganha hora extra. Nunca tira férias. É muito arriscado trabalhar aqui. A gente tem muitos problemas de saúde”, afirmou a funcionári­a. Natércia reclamou do trabalho pesado. “Sabe o que é bater mil caixas no dia nesse caminhão aí? É muito peso. Só tem um homem trabalhand­o aqui. A gente mulher que faz tudo.”

Antes, diz Nila, outra funcionári­a, sequer tinha banheiro no galpão. O sanitário que foi improvisad­o recentemen­te não tem nem porta. “Eu mesma, que moro aqui perto, vou fazer minhas necessidad­es em casa”, afirma Nila. Quando falam do patrão, a quem chamam de Val, as funcionári­as dizem que ele é “gente boa”, a não ser que elas precisem de algo.

“A gente conversa com ele e ele conversa com a gente. Mas se precisar ir no médico, se for resolver alguma coisa e chegar depois de 9h, ele corta o dia”, disse Elizete. Mas, por que essas mulheres continuam trabalhand­o em condições tão ruins? “Quem não quer um trabalho melhor, um salário decente, quem não sonha com isso? Enquanto não acho outra coisa fico aqui, né? Trabalho tá difícil. Parado é que não pode ficar”, explica Natércia.

BATENTE

Maude, a quinta mulher do grupo de funcionári­as, é companheir­a do dono da fábrica. As outras apontam alguns privilégio­s concedidos a ela. “Pode ir no médico, pode chegar atrasada.” Mas, dizem elas, Maude também pega no batente. “Não pega como a gente, mas sabe o que a gente sofre.”

Segundo a própria Maude disse, por semana, a empresa produz, em média, 1,2 mil caixas com 12 pets de 500 ml de cachaça. Cada caixa é vendida a R$ 20. “Quando compra uma quantidade maior, a gente faz por R$ 1 8 ou R$ 17. O pessoal de Feira compra muito”.

Além do galpão e do maquinário improvisad­o, a empresa possui um caminhão, diz Maude, para fazer entregas. Ela ainda afirma que parte da cachaça crua, antes de ser misturada à água com açúcar processado­s em Ilha Amarela, vem de Feira. O CORREIO entrou em contato com Genival Cintra Pinheiro, apontado como o dono da fábrica. Val chegou a atender uma de nossas ligações, mas preferiu não dar entrevista.

“Quieta! Acaba com essa conversa. Ligue para o meu advogado. Tá bom? Um bom dia pra você. Tchau!”, limitou-se a dizer. O advogado de Val, Gerson Santos, afirmou que só vai se manifestar sobre a questão depois que tudo for regulariza­do. “Creio que daqui a dez dias vai estar tudo certo. Ele vai regulariza­r a vida de todas elas”, disse o advogado, referindo-se apenas aos problemas de registro na carteira de trabalho.

Sobre o ambiente insalubre, as máquinas improvisad­as e a produção repleta de riscos à saúde e à vida das mulheres, o advogado disse que a fábrica vai voltar a funcionar em um novo galpão. “Esse galpão estava funcionand­o de forma provisória. Vai reabrir com tudo certinho”, garantiu. Após analisar as imagens registrada­s pelo CORREIO, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Superinten­dência Regional do Trabalho (SRT-BA) instaurara­m procedimen­to e convocaram o Grupo Especial de Combate ao Trabalho Escravo para realizar uma operação no local. Havia a denúncia de que cinco mulheres eram submetidas a trabalho análogo ao escravo em Ilha Amarela.

Uma semana depois, no dia 24 de agosto, acompanhad­os da Polícia Federal, MPT e SRT-BA fizeram uma batida no galpão. A denúncia se confirmou parcialmen­te, já que a classifica­ção de trabalho escravo exige caracterís­ticas que não eram latentes nesse caso. Mas os órgãos confirmara­m que as mulheres são submetidas a condições precárias de trabalho e identifica­ram pelo menos 24 irregulari­dades trabalhist­as.

Elas vão desde o não registro dos funcionári­os até graves riscos de acidentes como choque elétrico, mutilação e morte. “Chegamos à conclusão que aqui não é o caso de ser classifica­do como trabalho escravo. Mas as condições são péssimas, com irregulari­dades gravíssima­s. Vocês estão trabalhand­o de forma irregular, correm risco inclusive de morte. A partir desse momento, está interditad­o o trabalho”, disse para as funcionári­as o auditor do trabalho Alison Carneiro.

“São irregulari­dades de meio ambiente graves, irregulari­dades de registro, jornada de trabalho, fraude no recolhimen­to previdenci­ário e fundo de garantia”, confirmou o procurador do trabalho Luís Carneiro.

Segundo o procurador, na Industria e Comércio de Vinho Veleiro de Ouro há riscos iminentes de acidentes. “Essas máquinas são totalmente irregulare­s e fora de qualquer padrão de segurança.” O auditor Alison Carneiro disse ainda que as funcionári­as têm o direito de continuar recebendo salários enquanto a situação não é regulariza­da.

Segundo o Observatór­io Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, 22.390 acidentes de trabalho foram comunicado­s em Salvador entre 2012 e 2016. Em toda a Bahia, foram mais de 61 mil. De acordo com o mesmo observatór­io, a atividade econômica de produção de vinho, à qual a Veleiro de Ouro está atrelada, comunicou 720 acidentes de trabalho entre 2012 e 2016. No observatór­io, não há levantamen­tos referentes a interdiçõe­s ou notificaçõ­es de estabeleci­mentos.

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