Maioria dos baianos só vai ao local levar visitantes
Imagine sair do velório de Quincas Berro D’Água e parar no Cabaré da Zazá. Depois, que tal escutar o som de uma orquestra popular e aproveitar um encontro de rodas de samba na Praça da Sé? Como companhias, estão garantidos nomes que vão de Gregório de Matos e Luiz Gonzaga. Por trás desse caldeirão de atividades, está o novo programa Pelourinho Dia e Noite que, reformulado, promete agitar o Centro Histórico todos os dias.
De outubro até dezembro, serão pelo menos 11 atividades culturais por semana, divididas entre apresentações de música, dança, gastronomia, artesanato, fotografia e cinema. Segundo a diretora-geral de Gestão do Centro Histórico, Eliana Pedroso, a proposta é trazer os nativos para o Pelô.
“Queremos incrementar o fluxo de soteropolitanos, requalificar o imaginário do Centro Histórico e, em seguida, incrementar o fluxo turístico”, explica.
Ao todo, serão investidos cerca de R$ 600 mil em toda a programação, que será inaugurada no dia 5 de outubro. Na ocasião, uma abertura festiva deve percorrer as ruas do Pelourinho apresentando um pouco de cada atração – o prefeito ACM Neto deverá estar presente. Ao longo dos três meses do projeto, a previsão é de que mais de 300 artistas participem ao menos uma vez. Para conferir as atrações, visite o site pelourinhodiaenoite.salvador.ba.gov.br.
ARTE E GASTRONOMIA
Um dos destaques será o chamado Circuito Jorge Amado, que vai trazer Quincas Berro D’Água vivo – e morto – às ruas do Centro Histórico toda sexta. O espetáculo vai reproduzir passagens do livro de Jorge Amado. “Começa no velório, sobe as ladeiras e acaba no Cabaré da Zazá, que vai ser dentro da Cantina da Lua”, adianta Eliana. De quarta a sábado, grupos de percussão desfilarão pelas ruas, do Largo do Pelourinho até o Terreiro de Jesus.
Aos domingos, o teatro se junta à gastronomia no Domingo Gastronômico. Pelo menos 10 restaurantes serão palco para que personagens históricos baianos e nordestinos ganhem vida. Gregório de Matos, Mãe Menininha do Gantois e Luiz Gonzaga já confirmaram presença. “A programação era uma demanda de comerciantes que viviam dizendo que o Pelourinho estava deserto e sem atração cultural. Como a prefeitura só detém o domínio das praças públicas, tivemos que ter muita criatividade para construir um programa dessa envergadura”, completa Eliana.
IMAGEM NEGATIVA
Para quem vive do Pelourinho, as coisas andam mesmo muito difícil. Por enquanto, para a chefe de fila Marilene Rodrigues, 47 anos, o adjetivo “deserto” descreve bem a noite na região. “Eu tenho medo de voltar para casa à noite porque é deserto. Essa imagem de medo é que domina, porque não necessariamente existe motivo, mas o pessoal tem medo de ser assaltado quando caminha até o restaurante”.
A trançadeira Luzinete de Jesus, 47, mais conhecida como Valda, é categórica: “Do jeito que está, não dá para ficar”. Em dois anos, ela viu sua clientela diminuir em até 60%. As tranças mais baratas custam R$ 10 e chegam a R$ 100, quando faz alongamento capilar. “Tem dias que não faço nenhuma. Quando cheguei, há 25 anos, dava para fazer uma casa com isso aqui. O dinheiro hoje só dá para comer”, desabafa Valda, que critica a falta de serviços como banheiros públicos.
Até mesmo estacionar é uma dificuldade. De acordo com a prefeitura, hoje, cerca de 1,2 mil vagas – entre particulares e Zona Azul – estão disponíveis. Mesmo assim, a estrutura recebe muitas críticas. “Tem estacionamento que cobra R$ 20. Nenhum outro estado do país tem um Centro Histórico como o nosso, mas você não vê gente aqui”, lamenta o comerciante Vicente Ferreira. Cerca de 58% dos baianos que vão ao Centro Histórico têm apenas um objetivo: acompanhar um forasteiro numa visita. Foi o que mostrou uma pesquisa da Associação de Comerciantes do Pelourinho (Acopelô). O restante se divide entre os 24% que aportam lá nos grandes eventos e os 18% que são os que vivem do bairro, de alguma forma. Os números são de 2015, mas, segundo o presidente da entidade, Clarindo Silva, não poderiam ser mais atuais. “Acho muito importante esses eventos, porque o Pelourinho está sangrando. Precisamos de uma campanha para que o baiano se aproprie desse lugar”. Para ele, a região ganhou um estigma injusto de local violento. Com a queda no movimento (ele estima uma redução de 30% em dois anos), 186 estabelecimentos fecharam as portas no Pelourinho, nos últimos seis anos.