Ufba busca meios de reduzir tensão no BI de Saúde
era do BI enlouqueceu. Essa professora fez essa brincadeira porque ela entende a questão do BI”, diz Ludmila, de 25 anos, que assim como os demais personagens ouvidos pela reportagem pediu para ser identificada com um nome fictício.
“É uma insegurança constante. Você nunca está satisfeito com você mesmo. Se a média é 5, levar um 8,5 é inaceitável. Você tem que estar estudando exaustivamente. Quando você tem uma nota baixa, se sente um lixo. Entenda nota baixa 8,5 ou 9”, destaca Daniel, 22 anos. “Já tomei muita ritalina (medicamento que eleva o foco e a concentração) para estudar. Já perdi muita noite por preocupação, por questão emocional mesmo, e não por estar estudando. A carga de notas altas que é necessária adoece a gente. Eu vejo amigos com problemas de saúde mental, estudantes que estão procurando psicológo. Eu estou procurando”, afirma Leandro, 28 anos.
PRECONCEITO E JUSTIÇA
Em todos os depoimentos, são frequentes as queixas sobre um suposto preconceito dos alunos e professores da Famed com os alunos do BI de Saúde. “Medicina não abraça a causa do BI. Os professores de lá falam claramente que se tiver aluno do BI na sala vai desmatricular. Eles não querem os de BI. Há a sensação de que não é a mesma universidade. Resoluções que valem para todos os colegiados não valem para a Famed. Eles têm uma autonomia muito grande”, acrescenta Leandro.
Há casos de disciplinas específicas, as de maior peso, em que a Famed instituiu pré-requisitos que não existiam para o BI ou então efetivou a desmatrícula em decisão unilateral. O que gerou uma avalanche de ações judiciais contra a Ufba. Advogado especialista em casos relativos aos Bacharelados Interdisciplinares, Gustavo Azevedo contabiliza 40 ações judiciais movidas contra a universidade por causa de distorções no sistema. Destas, 38 resultaram em liminares favoráveis aos estudantes.
“Na maioria dos casos em que atuo, as liminares determinaram a reinserção de alunos desmatriculados da Famed sem amparo no regulamento. Há causas relativas à dupla cota, pois estudantes que entram no BI como cotistas também garantem direito à metade das vagas para Medicina”, afirma Azevedo. Para o advogado, que se aprofundou sobre os problemas vivenciados pelos clientes, a competição acirrada mudou a essência do BI de Saúde. “Você não entra para aprender, mas para tirar a melhor nota”, diz.
Meu namorado pode responder. Tem dias que fico louca, sem dormir, que acho que não vou passar. Você fica desesperado o tempo todo, com uma pressão na cabeça, sem saber se você vai passar. Às vezes, você sentar para conversar com um aluno do BI que está formando é tão estressante quanto o curso. Você chega com a cabeça tranquila e sai com a cabeça
Não tenho vida social. Não tenho lazer. Os três anos do curso só faço estudar. Minha família me chama para as festas e eu não vou, velho (começa a chorar). A família não entende porque não entende o sistema. Eu estudo todos os dias para conseguir um objetivo. A gente passa as férias inteiras correndo atrás de disciplinas. A gente não tem férias. O cara
Já agi contra meus próprios princípios. Já tive que mentir algumas vezes. Não curto mentira, mas tive que mentir para obter informações que iriam me ajudar. Falei para um colega que tinha uma nota e não tinha. Eu queria saber a dele. Hoje, tenho certa maturidade para não fazer mais isso. Estou perto de formar. A proposta do curso é boa, a execução é que não é. girando, pensando mil coisas. Inicialmente, eu segui os meus princípios. Mas depois você vê que não dá para ser assim. As matérias estão acima da amizade. Eu fui burra. Acabei botando as amizades, ou pelo menos o que eu achava que eram minha amizades, em primeiro lugar. O BI é você começar confiando em todo mundo e terminar não confiando em ninguém. que passou para Medicina pelo BI, que enfrentou tudo isso e conseguiu passar, não quer saber nunca mais de BI na vida dele. Já passei noites em claro estressado. Tenho vários colegas que, como eu, estão com problemas mentais. Eu não consigo desenvolver uma relação com colega nenhum, me fecho no meu mundo, tenho insônia, perdi o apetite, estou emagrecendo. Logo aparecem esquemas para você fazer com que sua nota suba, senão você não consegue entrar. Muitas vezes você pega disciplina que não é do seu interesse, mas que você sabe que vai ter facilidade maior e, consequentemente, aumentar o seu escore. A gente costuma falar que o BI é uma guerra. O que a gente vê de fato é que isso aqui é uma guerra mesmo. Responsável pela Pró-Reitoria de Ensino e Gradução da Ufba (Prograd), Penildon Silva Filho afirma que as dificuldades e os problemas de ordem psicológica enfrentados pelos alunos do BI de Saúde são de conhecimento da instituição. No entanto, garante que universidade vem buscando mecanismos para reduzir a pressão enfrentada pelos candidatos ao curso de Medicina.
“Sabemos da existência de uma competitividade acirrada entre os estudantes do BI de Saúde, que há alunos com quadro de estresse e depressão, mas é um caso específico dos estudantes que concorrem a uma vaga na Faculdade de Medicina (Famed)”, afirma o pró-reitor.
Para Penildon Filho, os alunos do BI de Saúde são afetado por uma competição que se repete há décadas em todo o país. “No Brasil, médico é visto como o profissional de maior status na sociedade, seja pela probabilidade de receber melhores salários seja pelo poder simbólico atribuído a ele. Por isso, Medicina sempre teve um grau de concorrência bem maior que as demais. A história dos vestibulares da Ufba e de outras universidades comprovam isso. É algo que veio de fora”, salienta.
Como existem de 1.000 a 1.200 alunos competindo por 32 vagas, diz Penildon Filho, a disputa travada no BI de Saúde ganhou tal proporção, abrindo espaço para o surgimento de problemas de ordem psicológica e emocional entre estudantes que se lançam na odisseia pelas melhores notas do curso.
“Uma das propostas da Prograd apresentada à direção do Ihac é igular os pesos das disciplinas para equilibrar a competição e evitar distorções, mas isso depende de aprovação pela Congregação do instituto”, informa.
“Nós também oferecemos atendimento e acompanhamento psicológico através dos serviços médicos da Ufba e da rede Psiu, voltada a cuidar da saúde mental da comunidade acadêmica. A universidade tem como solucionar o problema, mas só parte dele. Não dá para resolver a cobiça pelo curso de Medicina”, conclui o pró-reitor.