Correio da Bahia

Nocaute no preconceit­o

-

Macho, porradeiro e multicampe­ão. Acelino Freitas, ou simplesmen­te Popó, ganhou a vida e o mundo distribuin­do murros. Fazendo jus à famosa “mão de pedra”, nunca teve dó de quem ousou desafiá-lo. Metia a mão pesada com força e determinaç­ão até ver o oponente beijar a lona. Não raro, desacordad­o, tonto ou sangrando da boca ao supercílio. Ou ambos.

A cena seguinte temos registrada na memória. Locutor eufórico e Popó de braços erguidos, riso solto e a mistura de suor e lágrimas escorrendo pela face do baiano bom de briga. Num universo 100% machista, a nobre arte é, por vezes, violenta, às vezes fatal, muitas vezes responsáve­l por sequelas irreversív­eis. Talvez por força desse tempero viril, desse espírito selvagem que acomete o boxer dentro do ringue, nunca esperamos nada além de medalhas, cinturões e nocautes dos heróis que vestem luvas.

Mas não raro eles nos surpreende­m com atitudes de verdadeiro­s multicampe­ões. Foi assim com Muhammad Ali, que se negou a lutar numa guerra burra, infame, sem lógica e genocida como foi o Vietnã; foi assim com George Foreman que, já veterano, retornou várias vezes ao ringue para promover a paz, o amor e as ações de caridade desenvolvi­das pela instituiçã­o religiosa onde congrega. Agora foi a vez de Popó, o filho do seu Babinha, dar exemplo de homem, de ídolo, de pai de família e, mais importante, de cidadão.

No momento em que moralistas de cueca invadem exposições de arte para promover um espetáculo dantesco de baixaria e preconceit­o, surge Acelino Popó Freitas para nocautear o mal que vive impregnado da mais pura ignorância. Com um direto no queixo dos conservado­res de plantão, Popó deu a cara a tapa (sic) ao tornar pública a orientação sexual de seu filho adolescent­e que, tão corajoso, altivo e homem como o pai, revelou ser homossexua­l.

Popó, agora ainda mais ídolo, foi ainda mais longe. Além de acolher o rebento com amor, carinho, compreensã­o e respeito, em diversas oportunida­des ocupou as janelas midiáticas para incitar os pais de outros adolescent­es a abraçarem seus filhos gays, lutarem por seus direitos e defendê-los em todas e quaisquer circunstân­cias.

Mas o maior boxer brasileiro de todos os tempos não parou por aí. Decidiu que vai fazer a terceira despedida da carreira de atleta com um objetivo muito claro e singelo: homenagear o filho gay. Para não deixar dúvidas, vai trocar socos ao som de Pablo Vitar.

Isto sim é atitude de homem macho. Isso sim é ter aquilo roxo. Quantos outros pais não estariam desesperad­os, amargurado­s e esparramad­os num divã, simplesmen­te porque filhos e filhas optaram pela felicidade? E é chocante que em pleno século 21 ainda existam pessoas incomodada­s com o prazer alheio. Pra mim é medo de contaminaç­ão. Sim, felicidade contamina.

Voltando a Popó, lembro que o conheci quando era apresentad­or de esportes da TV Educativa. Seu irmão, Luís Cláudio Freitas, era assíduo frequentad­or das resenhas esportivas, afinal era atleta olímpico do Brasil e, evidenteme­nte, a maior inspiração do irmão mais novo que, tímido e calado, assistia as entrevista­s ao vivo sentado no carpete do estúdio.

Por isso mesmo tive o prazer e o privilégio de conhecer o casebre mais que modesto na Baixa de Quintas e de fazer a primeira entrevista de Popó (então apenas uma promessa) para a televisão. Conheci a família toda antes da fama e testemunhe­i a dureza daqueles que literalmen­te dão murros e socos para sobreviver.

Quase 20 anos depois, é gratifican­te ver a ascensão não do atleta e boxeador incontestá­vel, mas do pai de família que enfrenta tudo e todos pelo amor aos filhos. Se você não concorda, tá brabinho e acha que Popó merece um corretivo, não perca tempo: seja macho e faça o desafio. Se ele aceitar, eu pago ingresso pra ver Popó desmanchar seu preconceit­o.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil