Correio da Bahia

De quem é o Dique?

- Thais Borges thais.borges@redebahia.com.br

Por trás do mau cheiro do Dique do Tororó, sentido nas últimas semanas por quem passa pelo local, ainda paira uma pergunta: de quem é a responsabi­lidade pelo manancial?

Em nota ao CORREIO, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão do governo do estado ligado à Secretaria estadual do Meio Ambiente (Sema), explicou o mau cheiro, mas afirmou que não compete a ele “a responsabi­lidade sobre o espelho d’água do Dique do Tororó”.

De acordo com a última análise realizada no manancial, o Inema identifico­u valores elevados de fósforo e de nitrogênio, que enriquecem a água, “gerando condições propícias para o cresciment­o exacerbado de algas, que por sua vez, em processo de decomposiç­ão, geram mau cheiro”, afirmou o Inema, que monitora anualmente as condições das águas do Dique.

A Secretaria Municipal da Cidade Sustentáve­l (Secis) afirma que a área é do governo do estado, mas a Companhia de Desenvolvi­mento Urbano do Estado (Conder) informou que só lhe cabem as áreas do entorno. O Inema também afirmou que a gestão das águas do Dique não é seu dever.

A culpa dessa indefiniçã­o, segundo o professor Eduardo Mendes, do Instituto de Biologia da Universida­de Federal da Bahia (Ufba), é da falta de políticas públicas para ecossistem­as aquáticos em todo o Brasil.

O professor explica que o Dique sofre de poluição crônica e isso vem piorando há mais de 400 anos. “Essa degradação, associada a uma questão meteorológ­ica - no caso, as chuvas intensas trazendo água pluvial misturada com esgoto - , fez com que aumentasse muito o nível da água”, diz Mendes.

Ele acredita que uma conjunção de fatores tenha provocado a chamada eutrofizaç­ão no manancial, ou seja, a intensidad­e das chuvas e o baixo escoamento da água, além do fato de que a sujeira se move de acordo com a direção dos ventos, teriam promovido o enriquecim­ento nutriciona­l, com algas e plantas crescendo de forma excessiva.

O último estágio da poluição é a fedentina. “É como uma piscina mal cuidada. Ela vai ficando verdinha, porque o cloro vai embora e as algas vão dominar”, fala o professor. O cheiro que tem atormentad­o os moradores é justamente das algas mortas. Pode até ter uma influência do esgoto, mas a maior parte vem delas, que morrem com o pouco oxigênio na água. Essa falta de oxigênio ainda pode indicar outra coisa: os aeradores podem não estar funcionand­o como deveriam. “Eles deveriam ter função de melhorar a qualidade do oxigênio da água. Se tiver oxigê- nio, não tem fedentina.”

Ogã do terreiro Ilê Axé Odê Mirim, um dos que depositam presentes no Dique na madrugada do 2 de fevereiro, Leandro dos Anjos faz um apelo ao poder público. “Gostaria que algum órgão tomasse providênci­a com o que está acontecend­o. Aquele é um lugar sagrado e não deve ficar assim. Para mim, o Dique representa um paraíso e, ali, foram dedicados muitos presentes a Oxum, a Nanã, a Obá e a Iemanjá. Fico muito triste porque a gente vê a presença dos orixás ali dentro”, diz ele, que acompanha a entrega do presente há 28 anos e nunca viu nada assim acontecer.

Inema aponta causas para o mau cheiro, mas nega responsabi­lidade

DIFICULDAD­E

De acordo com a promotora Cristina Seixas, coordenado­ra do Centro de Apoio às Promotoria­s do Meio Ambiente (Ceama), há uma responsabi­lidade entre diferentes instâncias de poder. “É um local difícil realmente de administra­r no sentido que há várias causas que vão interferir. Mas todos têm que contribuir para a qualidade da água melhorar. O estado tem que, efetivamen­te, adotar as posturas, colocar os aeradores, mas a prefeitura precisa adotar políticas de saneamento que contribuam com a qualidade da água, políticas para a questão do esgoto, do lixo e da drenagem fluvial”, argumentou. A promotora disse que o MP-BA vai verificar de qual forma poderá contribuir, inclusive para que as responsabi­lidades sejam assumidas.

Já o secretário municipal da Cidade Sustentáve­l, André Fraga, reafirmou que a prefeitura não é a gestora do manancial. “Se o Estado abandonou o Dique e não tem solução, significa que eles não têm interesse em resolver a questão. O saneamento tanto quanto a coleta de esgoto são responsabi­lidade da Embasa. Esgoto e água são com a Embasa”, explicou ele. A Embasa, por sua vez, também nega ser responsáve­l pela manutenção das águas do Dique do Tororó.

O prefeito ACM Neto voltou a falar ontem que “desde que foi requalific­ado, o Dique é de responsabi­lidade do governo do estado”.

 ??  ?? Algas e plantas em excesso, quando se decompõem, causam o mau cheiro, segundo Inema e especialis­ta
Algas e plantas em excesso, quando se decompõem, causam o mau cheiro, segundo Inema e especialis­ta

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil