Correio da Bahia

Militante recebeu as vítimas em casa

- THAIS BORGES

verdade. Passei a não confiar em mais ninguém, achava que a qualquer momento alguém ia fazer algo comigo. Hoje, não tenho amigos porque não consigo confiar nas pessoas.

CRÍTICAS

A gente era fã da banda como qualquer outra pessoa. Saímos da nossa cidade pra ir a Rui Barbosa ver a banda de perto, conhecer os músicos pessoalmen­te. Ainda tem quem nos julgue porque entramos em um ônibus cheio de homens, mas se a gente soubesse que ali tinham estuprador­es, a gente não tinha entrado. Eram lobos em pele de cordeiros. Minha mãe também foi julgada demais na época, por ter deixado eu ir ver uma banda em outra cidade, mas a culpa não foi dela. A mãe de minha amiga estava na festa com a gente. Poderia ter acontecido de uma mãe e uma filha terem entrado no ônibus e terem sido estupradas.

CULPADOS

O problema não é a gente, são eles. Os culpados foram eles. Hoje, eu estou tranquila com essa resposta da Justiça. Estamos vendo a justiça sendo feita para mostrar para todas aquelas pessoas que apontaram o dedo nas nossas caras que eles foram os culpados. O fato de eles estarem soltos deixava um clima de impunidade. Ainda tem gente que diz que a gente fez isso por dinheiro ou para aparecer. Dinheiro nenhum paga o que a gente passou. A gente nunca ia se expor numa situação humilhante dessa.

O que mais choca é ver a quantidade de mulheres que defendem eles. São pessoas que pensam que isso só acontece dentro de um ônibus, mas pode acontecer na rua, dentro de casa. Todo mundo está sujeito. É triste ver tantas mulheres julgando a gente. Hoje, eu tenho contato com movimentos feministas como a Marcha das Vadias, com Sandra Muñoz. Sempre procuro saber dos casos de estupros. Me dói muito. A sociedade culpa a gente. Minha vontade é abraçar essas meninas, mostrar que elas não estão sozinhas, mostrar que essa dor não vai passar, mas com o tempo vai cicatrizan­do. Mas é uma ferida que parece que não vai fechar nunca por completo.

APOIO

Sempre tive o apoio da minha família, ninguém me julgou. Ao contrário, me abraçou. Tanto que agora minhas tias vieram aqui, me abraçaram, me deram parabéns, disseram que essa era uma vitória nossa. Hoje, eu não trabalho, mas não é porque quero. É falta de oportunida­de. Vivo distribuin­do currículo, mas não me dão oportunida­de e eu sei que é por causa disso. Quem é que vai querer colocar a menina que foi estuprada em sua loja? Eu quero concluir o ensino médio e penso em fazer faculdade de Direito para defender as mulheres que são vítimas tanto quanto eu. Na época, eu e minha amiga estudávamo­s no mesmo colégio. Mas, a gente não conseguiu voltar a estudar por causa das piadinhas.

Na época do estupro, eu tinha 16 anos, hoje tenho 21. Tenho namorado e ele me apoia muito. Ele sabe o que aconteceu comigo, mas minha força maior, depois de Deus, é ele, porque ele me acha uma vitoriosa. Ele está sempre comigo nesses dias de processo.

AMEAÇAS

O motivo maior de termos entrado no programa de proteção às testemunha­s foram as ameaças de fãs, principalm­ente menores de idade. Era por telefone, por rede social. Há quatro meses, sou evangélica. E, coincident­emente, uma semana depois que eu entrei para a igreja foi quando o processo começou a ser movimentad­o de novo. Antes da igreja, era aquela fraqueza, um desespero na minha vida. Dava vontade de sumir. Mas as coisas acontecem no tempo de Deus. Hoje, eu digo que, se eu tô viva, é graças ao joelho no chão de minha vó orando e as orações de minha mãe.

Tive muita vontade de tirar minha vida. Tomei tarja preta nos momentos de ansiedade, pra dormir, porque as noites eram horríveis. Mesmo antes de entrar para a igreja, eu sempre acreditei em Deus. A gente não consegue entender por que está passando por aquilo. Hoje, entendo que os planos de Deus na minha vida são maiores do que eu imaginava. Mesmo morando em outro estado, eu e minha amiga ainda mantemos contato. A gente conversa muito. Como ela mora fora, não tem tantas informaçõe­s do processo e eu passo tudo para ela. A gente sempre fala que juntas somos fortes. Só a gente pra se entender. Uma dá forças pra outra. Somos amigas de infância.

RECURSOS

Eu sei que eles vão recorrer, até porque passaram cinco anos soltos, aproveitan­do as brechas da Justiça. Esperei cinco anos por isso, agora que foram condenados, será que é possivel um juiz ou desembarga­dor soltá-los? É um tapa na cara da sociedade. Espero que a justiça continue sendo feita da forma que está. Não é possível que eles tenham mais uma brecha.

Desde que houve o estupro, nunca estive cara a cara com eles. Nem na audiência nem no dia do julgamento. Não quis estar de frente com eles. Não por medo, mas acho que é muito humilhante”.

3 de outubro de 2012 Os nove integrante­s da banda e o policial militar são liberados do Presídio de Feira de Santana.

6 de maio de 2015 A juíza Márcia Simões Costa, de Rui Barbosa, condena oito integrante­s da banda e absolve um músico e o segurança. Eles aguardam os recursos soltos.

29 de agosto de 2017 Desembarga­dores do Tribunal de Justiça da Bahia mantêm a condenação dos oito homens a dez anos e oito meses de prisão.

24 de outubro de 2017 Weslen Danilo Borges Lopes, William Ricardo de Farias, Michel Melo de Almeida, Jhon Ghendow de Souza Silva e Alan Aragão Trigueiros são presos. No dia 27, eles vão para a Penitenciá­ria da Mata Escura.

29 de outubro de 2017 Edson Bonfim Berhends Santos, Eduardo Martins Daltro de Castro Sobrinho e Guilherme Augusto se entregam. Ontem, foram levados para Feira de Santana. O contato foi como tantos que recebe semanalmen­te. A casa da militante feminista Sandra Muñoz, em Salvador, é conhecida por receber mulheres vítimas de violência de qualquer tipo. “Hoje mesmo, estou com três mulheres na minha casa e cinco meninos (filhos) que tiveram que sair de suas casas. Políticas públicas para LGBT e mulheres são uma coisa séria”, disse Sandra, ao CORREIO, ontem.

Mas, naquele dia, em 2012, o pedido era para receber duas adolescent­es de 16 anos e suas mães. Eram as duas jovens vítimas de um estupro coletivo pelos integrante­s da (hoje extinta) banda New Hit. “A casa delas foi apedrejada. O pessoal botou para correr, porque a culpa é sempre nossa. Ninguém nunca foi na casa deles (dos algozes) apedrejar”.

Na época, elas chegaram assustadas. “As mães também chegaram apavoradas”, lembra Sandra. Elas ficaram por quase um mês. Mais que isso foi impossível, justamente porque a casa de Sandra já é muito conhecida. Ou, como ela prefere dizer, é ‘muito visada’.

Foi só o tempo até que as jovens entrassem no Programa de Proteção a Crianças e Adolescent­es Ameaçados de Morte (Ppcaam), criado pelo governo federal em 2013. As meninas foram encaminhad­as a diferentes estados do Brasil.

Nesse período, a relação com Sandra se tornou ainda mais forte. Foram muitas ligações, no meio da madrugada. “Eu não sou psicológic­a, sou pedagoga, mas, quando essas mulheres vêm atrás de mim, eu tenho que cuidar delas por inteiro. Não posso chorar na frente delas porque elas já estão muito destruídas, muito acabadas”. A própria foi vítima de um estupro, aos 19 anos.

“Já ouvi que destruíram a vida da banda, mas e a vida das meninas, fica como? Por que nossas vidas não importam?”, questiona. Ainda em 2012, ela, que é uma das coordenado­ras da Marcha das Vadias, chegou a impedir sete ou oito shows da New Hit, mobilizand­o mulheres em cidades onde o grupo se apresentar­ia.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil