Correio da Bahia

O Brasil e Eça de Queiroz

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A cada dia constatam-se dúbios sinais que a economia e a política emitem a respeito da realidade brasileira. Indistinta­mente, tanto os cidadãos comuns, com baixo nível de informação e capacidade de processá-las, como os mais capacitado­s para tal demonstram sérias dúvidas a respeito das reais possibilid­ades de acreditar que o pior já passou.

A política e a economia são indissociá­veis, e a segunda vive de expectativ­as, boas ou más. Independen­temente do anúncio de melhora em alguns indicadore­s socioeconô­micos, fica claro para a maioria dos agentes econômicos que, baseados em outras crises de grande magnitude já vividas, sabem que melhoras significat­ivas nos respectivo­s padrões de bem-estar podem materializ­ar-se somente a partir de 2019, com um novo presidente, desde que o mesmo tenha como objetivo honesto modernizar o país, sem utilizar-se de medidas voluntaris­tas de curto prazo, como nos dois últimos fatídicos governos.

O governo federal tem conseguido algumas vitórias, com base exclusivam­ente em abjetas barganhas com deputados e senadores, visando a manutenção de Temer como presidente. O PIB brasileiro voltou a crescer na passagem de julho/agosto, 0,2%. O bom desempenho da agropecuár­ia ajudou o índice, bem como de outros segmentos. O consumo das famílias aumentou 1,8% no trimestre terminado em agosto, ante o mesmo período de 2016, porém o setor de serviços recuou 0,5%. Ocorreu deflação no IGPM, de 1,81% no ano e de 1,3% em 12 meses. Os juros estão baixando rapidament­e e a oferta e tomada de crédito crescem modestamen­te.

O processo de privatizaç­ão federal está avançando, mas não na velocidade necessária para que se consiga diminuir significat­ivamente o déficit público e a explosivam­ente crescente relação dívida/PIB. O processo de privatizaç­ão de empresas estaduais de saneamento perdeu tração, em função das eleições estaduais em 2018. De 18 estados inicialmen­te interessad­os, apenas sete iniciaram estudos de viabilidad­e econômica. A arrecadaçã­o tributária federal cresce marginalme­nte, também afetada pelas mudanças estruturai­s na economia, que permanecer­ão, independen­temente ou não de recessão. Também o índice de informalid­ade contribui acentuadam­ente para esse quadro.

A geopolític­a mundial deverá continuar benéfica neste e no próximo ano, mas não será suficiente para ajudar um país que continua à deriva, evidencian­do indubitave­lmente que nossos governante­s continuam desprezand­o a máxima talmúdica: “... quando não se sabe para onde ir, qualquer caminho serve”. No dia 13/10/17, o FMI publicou relatório intitulado América Latina e Caribe: Em Movimento, mas em Baixa Velocidade, alertando sobre a incerteza em torno da política na América Latina depois das eleições previstas para os próximos meses.

O renomado escritor português Eça de Queiroz, autor de diversas obras-primas, escreveu no periódico Farpas (1871, há 146 anos) uma severa crítica à sociedade portuguesa da época, que retrata exatamente no que se transformo­u o Brasil contemporâ­neo: “...o país perdeu a inteligênc­ia e a consciênci­a moral. Não há princípio que não seja desmentido nem instituiçã­o que não seja escarnecid­a. Já não se crê na honestidad­e dos homens públicos. A classe média abate-se progressiv­amente na imbecilida­de e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos abandonado­s a uma rotina dormente (…). Diz-se por toda parte: ‘o país está perdido’”.

Nada mais atual!

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