Caindo aos pedaços de ouro
As paredes pintadas de folhas de ouro, o teto e azulejos coloridos e os altares detalhadamente esculpidos da Igreja e Convento de Nossa Senhora do Carmo, no Centro Antigo, são parte importante da história da Bahia. Ali é possível reviver passagens que remontam o século XVI, quando a edificação começou a funcionar. No entanto, basta uma caminhada atenta na construção para perceber que o local não recebe cuidados há tempos.
Reconhecida como patrimônio material pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1938, a igreja foi restaurada pela última vez em 1909. Hoje, o conjunto arquitetônico é composto por duas igrejas, um antigo convento, além de museu e sacristia desativados - não são abertos ao público há 20 anos, por causa da ação de cupins que ameaçam as estruturas.
As rachaduras e trincas na igreja denunciam o abandono. Outro problema que a construção sofre é com a infiltração. Nos períodos mais chuvosos, os fiéis e responsáveis chegam a colocar baldes para conter a invasão da água. O industriário Adailton Ribeiro Silva Gama, 51, foi um dos que já ajudaram a enxugar o local. Ele frequenta a igreja diariamente e já chegou a ficar com medo dos rebocos, que costumam se desprender. “A gente fica assustado, porque às vezes cai um pedaço de reboco, mas, graças a Deus, nunca atingiu ninguém. Também temos receio do teto despencar”, diz.
Segundo ele, houve uma promessa de reforma do local, mas, até agora, nada foi feito. “Essa reforma está se arrastando há muito tempo. Deixamos até de fazer casamentos”, completou ele, que nem lembra a última vez que isso ocorreu.
OURO NA GAVETA
Os pedaços de reboco que caem são guardados na sacristia desativada, dentro de duas gavetas de um grande móvel feito com madeira de jacarandá. O espaço foi escolhido por um dos freis da igreja, Eduardo Rufino. “A gente guarda tudo na esperança de que um dia a restauração seja feita. A igreja não cai porque Deus não deixa e a gente conserva”, afirma.
Funcionário da igreja há 16 anos, Reinaldo Cerqueira, 36, também costuma guardar os materiais que caem das paredes. “Tá bem precária a situação. Quando a gente olha de perto é que dá pra ver. Tem coisa que vai caindo, a gente cola, mas, quando não dá, a gente guarda para quando for restaurar”.
A manutenção e segurança de todo o conjunto são feitas por dois funcionários e três freis. Segundo Alberto de Santana, outro frei responsável pela igreja, o dinheiro utilizado para pagar os gastos é da Província Carmelitana de Santa Elias.
Para ajudar a manter o templo, os freis ainda alugam a parte do convento ao Hotel Pestana. O contrato foi assinado no ano 2000. Esse dinheiro também é usado para pagar as despesas, como água, luz e salários.
Um dos freis teme que um dia o hotel saia do convento. “Se sair, vai ser difícil pagar as contas”, comenta o frei Raymundo Brito. De acordo com ele, uma conta de luz do local chega a custar R$ 1,5 mil. “Já foi R$ 3 mil, mas nós reclamamos, aí eles (Coelba) abaixaram”, cita.
MUITA HISTÓRIA
Foi no Convento do Carmo que os holandeses assinaram o termo de rendição para sair do Brasil, em 1626. Quem diz isso é o arquiteto e historiador Francisco Senna. De acordo com ele, o local foi utilizado como quartel general dos portugueses durante quase um ano. “Em 1624, quando os holandeses invadiram a Bahia e tomaram o Mosteiro de São Bento, os portugueses tomaram o Convento do Carmo”, conta. “Os holandeses assinaram a rendição ali dentro”, completa.
Ainda de acordo com ele, o espaço do conjunto foi doado à Ordem Carmelita, que vinha fazer missões no Brasil. “É o maior convento carmelita, em área construída, do mundo”, destaca. O local possui 80 celas e dois claustros.
Histórica, Igreja do Carmo aguarda restauração há mais de 100 anos
TESOURO ESCONDIDO
Além da importância histórica, o espaço também guarda mais de 2.400 obras de arte sacra, boa parte dela em ouro. Entre as peças estão: mobiliários, prataria, armaduras e porcelanatos. Uma das obras que o historiador destaca é o Cristo Atado à Coluna, uma peça esculpida em madeira e cravejada de rubis, os quais se assemelham às gotas de sangue e representam a dor vivida por Jesus Cristo. A obra é atribuída ao escravo Francisco Chagas, que é conhecido como Cabra ou Aleijadinho da Bahia.
Segundo o historiador, a igreja foi construída ao longo de séculos. Por conta disso, o estilo do local é variado. “Na fachada da igreja, você tem a presença do barroco. Já no interior, existe o neoclássico. Supostamente, essas mudanças aconteceram por causa da moda de cada época”, comenta.
O restaurador e professor José Dirson Argolo lamenta que a sacristia esteja fechada. “É uma das mais belas sacristias do Brasil”, garante ele, citando o estilo rococó. “As pinturas feitas em madeira, os quadros e altares dão todo o esplendor ao lugar”, diz ele, destacando que o trabalho de restauração deve ser feito com urgência.