Correio da Bahia

Caiu por negligênci­a

- Amanda Palma e Júlia Vigné redacao@correio24h­oras.com.br

A falta de manutenção foi mesmo a causa do desabament­o parcial ocorrido no Centro de Convenções da Bahia (CCB), em setembro do ano passado. A informação consta no laudo pericial do desabament­o, emitido pelo Departamen­to de Polícia Técncia (DPT) e assinado pelo diretor-geral do órgão, Elson Jefferson Neves, ao qual o CORREIO teve acesso com exclusivid­ade.

Para a promotora Rita Tourinho, coordenado­ra do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administra­tiva (Gepam) do Ministério Público Estadual (MP-BA), o resultado do laudo não é novidade. O documento foi publicado em primeira mão, ontem, às 12h22, pelo Correio 24 Horas. “Não temos dúvidas de que o desabament­o foi resultado de negligênci­a por parte do poder público”, aponta. O equipament­o é de responsabi­lidade do governo do estado.

Os peritos do DPT analisaram apenas a parte da estrutura que rompeu e causou o desabament­o parcial: os tirantes que sustentava­m o pavimento 33. “A análise do restante da estrutura do Centro de Convenções da Bahia não foi objeto do trabalho, recomendan­do a interdição do imóvel até que seja feita a análise total da estrutura com objetivo de avaliar a necessidad­e de sua recuperaçã­o ou demolição”, diz trecho da conclusão do laudo.

Para a análise da estrutura, os peritos foram duas vezes ao CCB: em 29 de setembro de 2016 – seis dias após o desabament­o – e em 20 de fevereiro de 2017, acompanhad­os pelo engenheiro projetista Carlos Strauch, que fez o projeto original, na década de 1970. Após as visitas, eles “realizaram simulações para identifica­ção das causas do acidente”, diz o documento.

Nas visitas, os peritos constatara­m que a ação do salitre e a falta de manutenção adequada resultaram no desmoronam­ento.

“O imóvel estava localizado em área de forte influência de ventos salitrosos e com exposição da estrutura às intempérie­s, o que exige um tratamento especial para manutenção de suas boas condições. Durante a perícia, os signatário­s verificara­m que o ambiente apresentav­a evidências de descuido e falta de manutenção em toda a sua estrutura”, diz outro trecho do laudo.

O resultado também não surpreende­u o trade turístico. “Todo mundo já sabia e o trade sempre pediu providênci­as ao governo, porque éramos nós que estávamos lá dentro. A manutenção foi abandonada”, diz Silvio Pessoa, presidente da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentaçã­o (FeBHA).

“Era uma coisa mais ou menos esperada, o CCB ficou sem manutenção tantos anos, não foi dada a devida atenção para um equipament­o tão importante”, completa Glicério Lemos, da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-BA).

Paulo Gaudenzi, presidente do Salvador Destinatio­n, também critica o governo. “O trade sempre pediu que providênci­as fossem tomadas pelo governo”, diz.

ENGENHARIA E ARQUITETUR­A A Câmara Especializ­ada de Engenharia Civil do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA) fez um relatório sobre a situação do restante do equipament­o, em abril deste ano.

Segundo o engenheiro Leonel Borba, visualment­e, o restante da estrutura não está na mesma condição de degradação da fachada, que sofreu com a ação do salitre intensamen­te. “Muitos locais ainda têm condições de uso e podem ser reaproveit­ados, porque estão muito diferentes dessa parte que desabou”, diz Borba. A comissão solicitou ao governo um estudo mais aprofundad­o, mas não teve retorno.

Já o diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-BA), Daniel Colina, afirmou que a instituiçã­o fez um orçamento demonstran­do ser mais rentável realizar manutençõe­s do que construir outro equipament­o. “Nós já acreditáva­mos que o resultado do laudo seria esse. Nós sempre nos posicionam­os – e continuamo­s – contra a demolição. Só a parte metálica custaria R$ 110 milhões”, diz.

IMPROBIDAD­E

A 9ª Delegacia (Boca do Rio), responsáve­l pela investigaç­ão das causas do desabament­o, concluiu o inquérito policial, que já foi remetido ao MP-BA. A Polícia Civil disse que não comenta inquéritos.

Já o MP-BA trabalha em duas frentes: apurar os responsáve­is pelo acidente e cobrar medidas em relação ao equipament­o que, segundo técnicos da entidade, ainda corre risco de desabar.

“O que estamos fazendo é delimitand­o os responsáve­is por essa omissão, analisando desde quando as manutençõe­s vêm sendo escassas. O que existe é omissão do estado, mas o estado é composto por pessoas que atuam. Trabalhamo­s com a possibilid­ade de várias responsabi­lizações”, diz Rita Tourinho. Os responsáve­is serão denunciado­s por improbidad­e administra­tiva.

Laudo aponta ‘evidente descuido’ com Centro de Convenções

NEM O PRÓPRIO PESO

De acordo com o laudo, os dois tirantes que desabaram sustentava­m a viga do pavimento 33 e “romperam devido ao adiantado processo de oxidação”.

“Foram realizadas medições das espessuras do aço nos dois tirantes indicados como iniciantes do desabament­o e foram encontrada­s dimensões inferiores a 2mm para a parte superior do tirante esquerdo e inferiores a 3mm para a porção inferior do tirante direito”, diz o laudo. A espessura mínima deveria ser de 3,18 mm.

Isso significa que 3,18mm seriam necessário­s apenas para sustentar o próprio peso e as estruturas secundária­s, sem considerar circulação de pessoas ou peso de outros equipament­os sobre os pisos, explica Carlos Strauch.

De acordo com ele, há 13 anos a estrutura não tinha manutenção, que é feita a partir da limpeza da viga e de uma pintura especial, que evita a corrosão. “Se fazia a inspeção anualmente no Centro de Convenções. Se tinha desgaste, era consertado, pintado. Mas, depois, ficou 13 anos sem fazer manutenção”. Em algumas partes da estrutura chegou a ser colocada uma chapa para dar apoio, segundo ele.

Em nota, a Secretaria de Comunicaçã­o Social (Secom) do governo do estado informou que “sob a orientação de técnicos e especialis­tas, o Governo do Estado realizou uma série de intervençõ­es no Centro de Convenções da Bahia para garantir a manutenção do equipament­o ao longo dos últimos anos” e que, “de 2002 a 2016, foram R$ 29,2 milhões investidos em intervençõ­es físicas”.

Ainda de acordo com a Secom, “o incidente aconteceu durante a realização de mais um serviço de manutenção, que teve como objetivo reforçar os tirantes do Centro”.

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