Caiu por negligência
A falta de manutenção foi mesmo a causa do desabamento parcial ocorrido no Centro de Convenções da Bahia (CCB), em setembro do ano passado. A informação consta no laudo pericial do desabamento, emitido pelo Departamento de Polícia Técncia (DPT) e assinado pelo diretor-geral do órgão, Elson Jefferson Neves, ao qual o CORREIO teve acesso com exclusividade.
Para a promotora Rita Tourinho, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (Gepam) do Ministério Público Estadual (MP-BA), o resultado do laudo não é novidade. O documento foi publicado em primeira mão, ontem, às 12h22, pelo Correio 24 Horas. “Não temos dúvidas de que o desabamento foi resultado de negligência por parte do poder público”, aponta. O equipamento é de responsabilidade do governo do estado.
Os peritos do DPT analisaram apenas a parte da estrutura que rompeu e causou o desabamento parcial: os tirantes que sustentavam o pavimento 33. “A análise do restante da estrutura do Centro de Convenções da Bahia não foi objeto do trabalho, recomendando a interdição do imóvel até que seja feita a análise total da estrutura com objetivo de avaliar a necessidade de sua recuperação ou demolição”, diz trecho da conclusão do laudo.
Para a análise da estrutura, os peritos foram duas vezes ao CCB: em 29 de setembro de 2016 – seis dias após o desabamento – e em 20 de fevereiro de 2017, acompanhados pelo engenheiro projetista Carlos Strauch, que fez o projeto original, na década de 1970. Após as visitas, eles “realizaram simulações para identificação das causas do acidente”, diz o documento.
Nas visitas, os peritos constataram que a ação do salitre e a falta de manutenção adequada resultaram no desmoronamento.
“O imóvel estava localizado em área de forte influência de ventos salitrosos e com exposição da estrutura às intempéries, o que exige um tratamento especial para manutenção de suas boas condições. Durante a perícia, os signatários verificaram que o ambiente apresentava evidências de descuido e falta de manutenção em toda a sua estrutura”, diz outro trecho do laudo.
O resultado também não surpreendeu o trade turístico. “Todo mundo já sabia e o trade sempre pediu providências ao governo, porque éramos nós que estávamos lá dentro. A manutenção foi abandonada”, diz Silvio Pessoa, presidente da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação (FeBHA).
“Era uma coisa mais ou menos esperada, o CCB ficou sem manutenção tantos anos, não foi dada a devida atenção para um equipamento tão importante”, completa Glicério Lemos, da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-BA).
Paulo Gaudenzi, presidente do Salvador Destination, também critica o governo. “O trade sempre pediu que providências fossem tomadas pelo governo”, diz.
ENGENHARIA E ARQUITETURA A Câmara Especializada de Engenharia Civil do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA) fez um relatório sobre a situação do restante do equipamento, em abril deste ano.
Segundo o engenheiro Leonel Borba, visualmente, o restante da estrutura não está na mesma condição de degradação da fachada, que sofreu com a ação do salitre intensamente. “Muitos locais ainda têm condições de uso e podem ser reaproveitados, porque estão muito diferentes dessa parte que desabou”, diz Borba. A comissão solicitou ao governo um estudo mais aprofundado, mas não teve retorno.
Já o diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-BA), Daniel Colina, afirmou que a instituição fez um orçamento demonstrando ser mais rentável realizar manutenções do que construir outro equipamento. “Nós já acreditávamos que o resultado do laudo seria esse. Nós sempre nos posicionamos – e continuamos – contra a demolição. Só a parte metálica custaria R$ 110 milhões”, diz.
IMPROBIDADE
A 9ª Delegacia (Boca do Rio), responsável pela investigação das causas do desabamento, concluiu o inquérito policial, que já foi remetido ao MP-BA. A Polícia Civil disse que não comenta inquéritos.
Já o MP-BA trabalha em duas frentes: apurar os responsáveis pelo acidente e cobrar medidas em relação ao equipamento que, segundo técnicos da entidade, ainda corre risco de desabar.
“O que estamos fazendo é delimitando os responsáveis por essa omissão, analisando desde quando as manutenções vêm sendo escassas. O que existe é omissão do estado, mas o estado é composto por pessoas que atuam. Trabalhamos com a possibilidade de várias responsabilizações”, diz Rita Tourinho. Os responsáveis serão denunciados por improbidade administrativa.
Laudo aponta ‘evidente descuido’ com Centro de Convenções
NEM O PRÓPRIO PESO
De acordo com o laudo, os dois tirantes que desabaram sustentavam a viga do pavimento 33 e “romperam devido ao adiantado processo de oxidação”.
“Foram realizadas medições das espessuras do aço nos dois tirantes indicados como iniciantes do desabamento e foram encontradas dimensões inferiores a 2mm para a parte superior do tirante esquerdo e inferiores a 3mm para a porção inferior do tirante direito”, diz o laudo. A espessura mínima deveria ser de 3,18 mm.
Isso significa que 3,18mm seriam necessários apenas para sustentar o próprio peso e as estruturas secundárias, sem considerar circulação de pessoas ou peso de outros equipamentos sobre os pisos, explica Carlos Strauch.
De acordo com ele, há 13 anos a estrutura não tinha manutenção, que é feita a partir da limpeza da viga e de uma pintura especial, que evita a corrosão. “Se fazia a inspeção anualmente no Centro de Convenções. Se tinha desgaste, era consertado, pintado. Mas, depois, ficou 13 anos sem fazer manutenção”. Em algumas partes da estrutura chegou a ser colocada uma chapa para dar apoio, segundo ele.
Em nota, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo do estado informou que “sob a orientação de técnicos e especialistas, o Governo do Estado realizou uma série de intervenções no Centro de Convenções da Bahia para garantir a manutenção do equipamento ao longo dos últimos anos” e que, “de 2002 a 2016, foram R$ 29,2 milhões investidos em intervenções físicas”.
Ainda de acordo com a Secom, “o incidente aconteceu durante a realização de mais um serviço de manutenção, que teve como objetivo reforçar os tirantes do Centro”.