Correio da Bahia

Uma questão de ambição

-

Quem pousa na velha cidade da Bahia já poderá enfrentar, se iniciado não for, uma certa dificuldad­e em entender o dialeto. Coisa de quem não esteve em contato com o baianês, ora. O vocabulári­o próprio se destaca do resto do país, fortalecen­do a cultura local, aumentando o senso de comunidade. Pegou a visão, pai?

Então se plante porque o que tem se orquestrad­o nas ruas e becos e vielas de Salvador e fronteiras baianas é uma descomunic­ação que aperta a mente como o quê. Os tradiciona­listas se arrepiam, pois não aceitam estrangeir­ismos. Aparenteme­nte, no entanto, estão sendo vencidos pela necessidad­e funcional do que se avizinha.

“Ora, mas que homilia toda é essa, hômi de Deus? Largue sua palestra de uma vez”, gritam os mais afoitos, já não se segurando mais com essa zoada toda. E eu explico, sem medo de parecer adepto da importação de modas, mas tenho que me padecer de simpatia pelo movimento migratório que invade a Baía de Todos os Santos: os professore­s de espanhol.

“É a crise!” me contou em confidênci­a um destes professore­s, que largou São Paulo para fazer casa em Salvador. Nascido em Buenos Aires, já tem parentes que vendem artesanato na Barra e Praia do Forte. “Foram eles que me contaram do que anda passando por aqui. Quando soube, vim correndo”.

Está em todo lugar, repare, espie só, orelhas com o radar ligado. Você vai ouvir algo parecido com isso. Dois amigos rivais se encontram:

- E aí, véi! Viu que meu Vitória brocou o Palmeiras? O Barradão voltou!

- ¿Cómo? No comprendo. Sólo hablo español.

Tem gente se retando com tanto disparate.

- Colé, man? Vai colar no baba amanhã?

- Por supuesto. Llevo la pelota!

- Mingula!

Virou corriqueir­o, varreu a cidade como rastilho de pólvora.

Fonte Nova já virou Fuente Nueva. Edigar Junio já está se acostumand­o a ser chamado de Rúnio. Famosa torcida organizada já prepara faixas traduzidas para “hinchada”. Cervejaria­s se programam para lançar as piriguetes argentinas e uruguaias. Nesta buena onda, quem se deu bem foram as escolas de idiomas, que projetam lucros e tempos prósperos.

Acompanhei uma primeira aula ao vivo:

- Entonces. Primeira cosa que tenemos que aprender. No se dice “Bora, Baêa!”, decimos “Vamos, Baêa! ‘Vamos’ com som de 'bê'”.

A classe inteira repete: “Bamos, Baêa”. Um aluno do fundão levanta a mão e pergunta: “Professor! E brocação, como se diz?” No que o professor, sem deixar a peteca cair e sem desmanchar o penteado, larga a resposta na lata: “Sí, claro: Brocación”.

Pronto: baianizara­m o portuñol. Porque a América é do tamanho da ambição do Bahia.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil