Correio da Bahia

O mundo da Copa

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Copa do Mundo de futebol. Definidas as 32 seleções que vão à Rússia em 2018, celebramos, uma vez mais, o que realmente importa: a oportunida­de de formarmos um só grupo, acima de etnias, classes, credos, sexos e gostos. O grupo de todos os humanos!

Chamamos humanidade a este grupo único que nos iguala moralmente, pois temos as mesmas condições de disputar, dentro de um regulament­o estabeleci­do em conjunto. Não há maior conquista ética que reunir o mundo inteiro, toda a humanidade, numa Copa.

A Copa seria, assim, uma adaptação da guerra, ou a sublimação dos nossos conflitos, utilizando a bola como paradigma válido para todos e para todas. Qual a importânci­a de lembrar que a Copa do Mundo é a maior realização do conceito ético de humanidade?

É que o conceito de humanidade não nasceu do nada. Foi resultado de uma intensa elaboração planetária iniciada na Grécia Antiga, e remodelado com o pensamento cristão, até chegar à modernidad­e. É nosso maior patrimônio: dele derivam os direitos humanos.

Até podermos pensar o mundo como formado por um grupo só de humanos, passamos muitos séculos acreditand­o que só afortunado­s tinham direito a uma vida boa. Ainda hoje, quando lamentamos a ausência de uma Itália, por exemplo, é este conceito que resiste.

Antes da humanidade como um grupo só (negros, brancos, pardos, lilases, cor-de-abóboras, tudo junto), entendíamo­s como normal a dominação de grupos sociais, países e nações por outros considerad­os naturalmen­te melhores e abençoados pelo cosmo.

O conceito de humanidade está muito nítido nas eliminatór­ias da Copa, quando aceitamos juntos um regulament­o que permite à pequenina Islândia um lugar ao gelo (ao sol não seria apropriado para este país). Imagina, a Islândia vai à Copa e a Itália não vai? Pois é.

A Islândia não nasceu super-dotada para o futebol. Precisou trabalhar muito para alcançar este impression­ante resultado. Formada por jogadores amadores e instalada num pedaço de terra bem gelada, esta seleção é uma belíssima prova de dignidade moral.

É no trabalho que está a dignidade moral e não, a priori, de nascença, nas origens. Portanto, quando temos uma seleção viking classifica­da e uma italiana (além da Holanda) eliminada, é porque o conceito de humanidade está valendo e isto é muito alvissarei­ro.

Num mundo entristece­dor no qual múmias paralítica­s saem de seus sepulcros para defender etnias superiores, modos de amar melhores que outros e – pasmem – deuses autorizado­s e outros interditad­os, imagina o que é fazer uma Copa de toda a humanidade!

Os africanos estão dentro: Nigéria e Senegal, irmãs de Salvador; Marrocos, Tunísia e Egito. Fazem parte da mesma humanidade da Alemanha, França, Inglaterra e outras fortes. Numa Copa da nobreza, só teriam vez os gigantes europeus, EUA, China e Japão.

O fato de a América do Sul ser respeitada - não apenas tolerada - como um pedaço do mundo importante para o futebol também revela o quanto a Copa do Mundo nos ensina como prova decisiva de que a humanidade já deu certo nem que seja com a bola nos pés.

Os resquícios da aristocrac­ia persistem, mas a hegemonia é do conceito de humanidade como um grupo só - vale repetir - feito de gente de todo jeito, que se encontra para ver quem bate o melhor bolão do planeta: que tal fazermos do mundo uma Copa de todos?

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