É preciso falar sobre reforma
O país vive hoje, em certa medida, o maior de todos os dilemas na história recente da oscilante economia nacional. Por mais que o assunto seja eivado de impopularidade, efeito direto do pouco conhecimento que o cidadão tem da situação atual em que se encontram as contas públicas, empurrar a reforma da Previdência para debaixo do tapete equivale a colocar o futuro do Brasil em um baú sombrio. Nele, só há projeções negativas quanto à capacidade da nação de se manter em pé no porvir.
Movida pela incerteza quanto ao número de apoios necessários para aprovar a proposta, a decisão do governo Michel Temer de adiar a votação da reforma só arrasta o problema para 2018, mas não resolve. E ele precisa ser solucionado o quanto antes. Não há outro caminho para evitar a implosão da economia em duas décadas, no cenário menos pessimista. Os estudos e análises feitos por institutos de pesquisa e especialistas em finanças públicas não deixam margem de dúvida sobre a urgência de se rever o sistema previdenciário.
A “Grande Folha” da qual fala o economista Raul Velloso, PhD pela Universidade de Yale, consumia 35% dos gastos federais no início dos anos 80. Fazem parte dessa conta a cobertura dos salários do funcionalismo público e, especialmente, o pagamento de aposentadorias e pensões. Hoje, chega a 75%. Ou seja, só ficam 25% para investir em todo o resto. Se a curva mantiver a tendência – o que será inevitável sem a aprovação da reforma -, o país quebrará. Não há horizonte alternativo à vista.
Nunca é demais lembrar que o discurso contrário a mudanças no regime previdenciário parece não levar em consideração que dinheiro não nasce em árvores, mas nas impressoras da Casa da Moeda. As gerações que viveram sobre a tempestade da hiperinflação conhecem na pele o resultado de imprimir mais e mais cédulas para tapar o rombo nas contas. Para os mais jovens basta dizer que eram épocas em que um maço de dinheiro conseguia comprar apenas um quilo de alimento e que tudo que o cidadão tinha no bolso em um dia valia menos no seguinte.
Chegou a hora também da classe política e da sociedade entenderem de uma vez por todas de que será impossível evitar o colapso do país sem rever com urgência o sistema previdenciário. Deixar de confrontar o fantasma agora é, no mínimo, irresponsabilidade, mesmo diante da grita dos servidores públicos, o maior de todos os nós da reforma. Considerando-se somente o funcionalismo nos estados, houve um crescimento de 66% dos gastos com aposentados e pensionistas de 2006 a 2016, segundo estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ano passado, essa conta representava 40,5% da folha do Poder Executivo nos estados.
A Previdência dos servidores abocanha fatias cada vez maiores dos orçamentos estaduais. Sem limitar gastos com aposentadorias e pensões, quem arcará com a conta será o funcionário público da ativa. O governo federal falhou ao não comunicar de maneira clara à população sobre os reais perigos de deixar o barco previdenciário correr como está, de não combater a desinformação que domina o debate em torno do tema e, por fim, de não explicar que, sem aprovar logo a reforma, são sérios os riscos de criarmos no futuro uma nova categoria: o aposentado demitido por justa causa devido à falta de dinheiro em caixa para pagá-lo. Mas ainda há tempo de segurar a bola de neve montada sobre o topo do Brasil. Desde que haja vontade política e engajamento social.