A folia popular pede passagem
Há 25 anos, a revista Veja trazia como destaque de capa o Carnaval de Salvador, sintetizado através da manchete “A Bahia ganhou” estampada sobre a imagem do Ilê Aiyê. A visibilidade dada pela imprensa em fevereiro de 1993 premiava o modelo que transformou a folia da capital baiana em sucesso nacional. A partir dali, os blocos se multiplicaram e criaram uma lucrativa indústria, alimentada pelo boom da axé music e pela consolidação dos camarotes. Os últimos anos, porém, deram início ao movimento de retorno às origens tradicionais da festa, processo hoje irreversível.
Exportado para outras grandes cidades do país, o formato do Carnaval de Salvador atraiu, desde então, críticas pela centralização excessiva em torno dos negócios dominados por empresários do ramo. Cordas dos blocos de trio e megaestruturas dos camarotes deram munição aos que enxergavam a festa como um símbolo de exclusão social. De um lado, estavam os cidadãos e turistas dispostos a gastar somas consideráveis de dinheiro para ter acesso a espaços privilegiados. Do outro, o folião pipoca, cada vez mais espremido nas calçadas e distante dos artistas que idolatravam.
É preciso entender que o modelo surgido no alvorecer dos anos 1990 foi importante para que o Carnaval baiano se tornasse o gigante que é. Eram os donos de blocos que bancavam, majoritariamente, o cachê dos artistas de peso contratados para balançar o chão da praça nos circuitos da festa. Em contrapartida, capitalizavam para si os investimentos publicitários e o resultado sobre a venda de abadás. Além, é claro, das isenções fiscais e do apoio dado pelo poder público, a quem cabia pagar a enorme conta sobre a infraestrutura e os serviços de segurança, saúde, limpeza, trânsito e transporte.
Pouco a pouco, o apelo pela retomada do espírito democrático e popular da festa tomou corpo na cidade, a reboque da onda gerada em três outros badalados centros carnavalescos da atualidade: Rio de Janeiro, Recife e, mais recentemente, São Paulo. Era mais que necessário ampliar a fatia destinada à pipoca e reduzir o perfil mercantilista que perdurou anos a fio, sob pena de perder lugar para a concorrência. Daí a estratégia de concentrar o grosso dos investimentos públicos nas atrações sem corda e nos eventos da pré-folia, estimulando os chamados bloquinhos de rua, fanfarras e artistas que não fazem parte do seleto grupo de estrelas da música.
Por razões óbvias, a aposta na pipoca encontrou resistência e contrariedade entre parte do empresariado que comandava o negócio sem perceber a gradual mudança no reino de Momo, onde a força dos súditos é historicamente maior que a da corte, mesmo que leve tempo para se mostrar. Como todo modelo de negócio, a indústria do Carnaval privado viveu seu auge e agora precisa encontrar o ponto de equilíbrio para sobreviver. Blocos e camarotes que se prepararam para a inevitável reviravolta no horizonte continuarão de pé, com vendas esgotadas e lugar na vitrine. Entretanto, há uma nova maré alta sobre o circuito. E ela veio para recuperar o espaço que sempre pertenceu à folia popular.