Correio da Bahia

Crônica de uma crise anunciada

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O decreto de intervençã­o federal sobre a área de segurança pública do Rio de Janeiro expôs, de modo inédito desde a Constituiç­ão de 1988, o tamanho do descontrol­e a que chegou a criminalid­ade no país. Para além das ilações que se esforçam em atribuir ao episódio caráter meramente político, a medida serve como alerta para estados tomados por níveis de violência nunca vistos, onde a população clama por soluções a curtíssimo prazo.

Devido à importânci­a que o Rio de Janeiro ocupa na República, somada à sua visibilida­de internacio­nal, é possível entender o impacto da intervençã­o determinad­a anteontem pelo presidente Michel Temer. Contudo, o estado fluminense está longe de ser o único exemplo de caos na segurança no mapa federativo, embora a crise financeira e de governabil­idade tenha aberto caminho para tal ato extremo, sem precedente na história do Brasil redemocrat­izado.

Os estudos mais recentes sobre a criminalid­ade falam por si. Em outubro do ano passado, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou, em seu 11º Anuário, números alarmantes, que dimensiona­m a extensão do problema e o quanto ele se espalha pelo território nacional como um câncer em estágio de metástase. De acordo com a pesquisa, foram contabiliz­adas 61,6 mil mortes violentas no Brasil em 2016, a maior quantidade já registrada em toda sua existência.

O montante equivale ao número de mortes provocadas no Japão pela explosão da bomba atômica jogada sobre Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial. É também superior aos 58 mil soldados americanos que tombaram em duas décadas de combate no Vietnã. Em síntese, é como se o Brasil fosse palco de um grande conflito bélico no pequeno intervalo de apenas 12 meses. Isso sem contar os 58,8 mil assassinat­os de 2015 - o que tornaria, sem dúvida, o quadro da violência mais aterrador ainda.

A partir do recorte por estados, é possível perceber a gravidade do colapso na Segurança Pública. Em números absolutos, é a Bahia quem lidera o ranking das Mortes Violentas Intenciona­is (MVI), sigla que abriga homicídios dolosos, latrocínio­s, lesões corporais seguidas de morte e óbitos decorrente­s de ações policiais. No total, aponta o Fórum, foram nada menos que 7.110 vítimas média de 19,47 por dia. Rio de Janeiro e São Paulo vêm em segundo e terceiro lugares.

Quando se observa o índice de mortes violentas por 100 mil habitantes, Sergipe, Rio Grande do Norte e Alagoas ocupam o topo do pódio. Respectiva­mente, com taxas de 64, 56,9 e 55,9. Nas demais tipificaçõ­es de delitos, foram registrado­s cresciment­os em quase todas. Entre as quais, estupros, roubos e furtos de veículos. Ou seja, a onda elevada de violência ultrapassa as divisas do Rio de Janeiro, mesmo que seja ele o personagem cotidiano do noticiário, a bem da verdade, pela intensidad­e de crimes verificada nos últimos meses.

Ao restante do país, há um grande aprendizad­o a ser extraído da intervençã­o federal: é preciso que os estados adotem políticas públicas e eficientes para a segurança. É óbvio que o sucesso do combate à criminalid­ade passa também pelo esforço do governo federal, já que drogas e armas chegam via fronteiras, muitas delas desguarnec­idas e sem vigilância eficaz.

Ao mesmo tempo, Judiciário, Legislativ­o e sociedade civil organizada têm papel fundamenta­l na missão. Mas nada disso surtirá efeito se os governos estaduais não fizerem logo o dever de casa, assumindo para si a parte que lhe foi definida pela Constituiç­ão, algo que o Rio de Janeiro não fez e que outros estados não vêm fazendo.

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