Cachimbo da paz
Certa feita, estava na casa de amigos, no Leblon, e me chamaram para sair na chuva friorenta e participar de uma passeata contra a violência que grassa sem graça, fazendo pirraça no Rio de Janeiro. Lembrei que a última vez que lutei pela paz tinha cabelo, e cabelo no estilo Black Power, usava calça mais colorida que o prisma da capa do LP The Dark Side of the Moon do Pink Floyd, barba cheia no melhor estilo guerrilheiro cubano, sandália de pneu feita por mim, bolsa de couro que eu mesmo fiz e onde ilustrei com um lindo pôr do sol e camiseta de algodão no estilo psicodélico conhecido como tie-dye. Queria o fim da Guerra do Vietnã, local há mais de 16 mil quilômetros de Itapagipe, pois por aqui só havia ladrão de galinha.
As drogas, como o LSD que abria a percepção, estavam longe. A maconha corria solta em Woodstock e servia para anestesiar o medo dos soldados, estampada no filme Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Ouvia o protesto poético de Joan Baez, Bob Dylan e o grupo Peter, Paul & Mary, dentre outros. Nós, da Cidade Baixa, éramos pré-adolescentes, com medo das drogas.
E o tempo passa e de repente me vejo na casa dos amigos cariocas. E enquanto visto a camisa grafitada que pede paz vejo que o casal vai até um canto, cheira cocaína e me oferece. Fiquei com vergonha de dizer naquele instante que para mim estava tudo errado no conceito. Em poucos instantes estavam eufóricos e assim iniciamos a bela caminhada, onde encontramos várias pessoas com cachimbos da paz; com maconha.
Atrasei o passo, saí da procissão esquizofrênica. Refleti e vi que aqueles que estavam na caminhada, cercando o governador, o prefeito e o secretário de segurança, pedindo paz e tranquilidade, querendo que não ocorresse mais nenhum caso de bala perdida, morte de policiais, morte de crianças inocentes, falência do Estado, cessão do direito de ir e vir nas favelas e o fim do medo coletivo, estavam em pleno gozo do transtorno comportamental. Não sabiam ou fingiam não saber que aquela maconha e aquele pó cheirado de forma recreativa era o que, no fim da questão, se tornava responsável pela perda da paz.
As drogas são as maiores causadoras da violência que atinge o Rio de Janeiro e todo o país. As drogas abastecem os cofres dos traficantes que compram seus armamentos – ano passado, somente no Rio de Janeiro, eles adquiriram mais de mil novas armas – em mãos de comerciantes ilegais. O Brasil é um dos maiores mercados para a cocaína, superando os EUA. No mundo todo, segundo a ONU, são mais de 246 milhões de usuários. No Brasil, temos 27 milhões de usuários. É uma economia informal grandiosa. Temos mais de 370 mil viciados em crack. Um estudo da USP mostra que, em 2006, 40 por cento dos pesquisados haviam consumido maconha antes dos 18 anos. Em 2012, passou para 62 por cento, e o número é crescente. O Departamento de Estado norte-americano observa que os programas brasileiros são bons em conscientização, mas não na redução da demanda e no tratamento dos viciados. Se existe demanda, existe quem forneça e para fornecer tem de defender a boca de fumo e para defender haja bala e havendo bala não existe paz. Está difícil de entender? Sobre legalizar é um outro assunto.