Correio da Bahia

Quando explode a inseguranç­a

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Conviver com a criminalid­ade sem controle virou parte do cotidiano de quem hoje vive ou circula no interior da Bahia. Para os 115 mil habitantes de Eunápolis, 16º maior município do estado, medo é sensação comum. Motivos não lhes faltam. Situada no Extremo Sul, às margens da BR-101 e distante apenas 60 quilômetro­s da badalada Porto Seguro, a cidade ocupa o 19º lugar no ranking nacional divulgado pelo mais recente Atlas da Violência. Como se já não bastasse, os moradores de Eunápolis experiment­aram, no início da semana, um grau de terror nunca visto.

Durante cerca de duas horas, aproximada­mente 40 bandidos tomaram o controle da cidade entre a noite da última segunda-feira e a madrugada do dia seguinte. Com armas e munições de guerra, explosivos de alta potência e carros blindados, os criminosos fecharam todas as vias de acesso e acuaram policiais civis e militares, incluindo os de unidades ditas especializ­adas. No mesmo compasso, atearam fogo em carros, dispararam tiros para o alto e atacaram uma empresa de transporte de valores no centro do município, deixando de saldo um vigilante morto e quatro feridos.

A ação cinematogr­áfica foi o clímax da escalada de violência que se espalhou por todo território baiano. Há registros anteriores de ataques em cidades menores do estado, mas nunca em uma do porte de Eunápolis, cortada pela maior rodovia federal do país e guarnecida por relativo aparato policial. Tal ousadia revela o destemor dos bandidos frente às forças de segurança da Bahia. Pelo modo com o qual agiram e escaparam, era como se elas sequer existissem. Ou, o que é pior, uma vez existindo, não funcionass­em de fato.

Qualquer especialis­ta em criminalid­ade sabe que quadrilhas altamente organizada­s só avançam onde a segurança pública é incapaz de confrontá-las em campo ou de desmontá-las antes de uma nova ação. A liberdade para cercar um município como Eunápolis evidencia de maneira clara o fracasso do governo do estado em cumprir o papel constituci­onal que lhe cabe como responsáve­l pelo policiamen­to dentro de seus limites legais e territoria­is: combater o crime, conter a violência e proteger a integridad­e do cidadão.

Há mais de uma década, pesquisado­res, lideranças políticas e ativistas da sociedade civil vêm alertando o governo estadual sobre o cresciment­o gradativo dos índices criminais na Bahia e sobre a urgência de elaborar uma política sólida de segurança a curto e médio prazos. Não faltaram avisos a respeito da migração de facções concentrad­as no eixo Rio-São Paulo para estados com menor estrutura policial, sobretudo no Norte e Nordeste. Fenômeno esse que tende a se agravar com a intervençã­o federal do Exército no Rio de Janeiro.

Com certa dose de razão, a depender do caso, governador­es reclamam da escassez de recursos para investir em segurança nos seus estados e apelam por mais apoio do governo federal no duelo contra o crime organizado. No entanto, pouco adianta receber mais dinheiro sem saber exatamente de que forma ele será aplicado para obter, com eficiência, os resultados ainda não conquistad­os. Muito menos se não houver rigor no uso das verbas e corte de gastos desnecessá­rios sem ligação direta com a atividade final.

Nos últimos dez anos, as ações e programas de segurança pública tocados pelo governo do estado, muitos deles copiados de outros estados, se notabiliza­ram mais pelo impacto publicitár­io e midiático do que pela real eficácia. Do contrário, as estatístic­as estariam em queda ou minimament­e controlada­s. É bem verdade que a disputa contra a criminalid­ade passa também por maior justiça social e envolvimen­to dos demais poderes. Mas para chegar a alguma vitória no futuro é preciso fazer o dever de casa no presente.

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