CANTO NA RUA
Imagine a cena: um “rasta” desconhecido vestindo moletom e carregando um violão decide cantar e tocar umas músicas na Estação da Lapa. Começam os primeiros acordes de um reggae: era Árvore, de Edson Gomes.
Uns passam sem dar importância. Para outros, chama atenção. Alguns, desconfiados, parecem já ter matado a charada. Não era qualquer músico. Era um timbre que refletia aqueles sons; de gente comum, que sai de casa todo dia para viver um sonho. Era uma voz de Salvador.
“É Saulo, amiga!”, o grito de uma estudante com farda do colégio parece trazer de volta à realidade. A amiga parece não acreditar. “É Saulo sim, oxe!”, continua a primeira, que puxa a outra para perto. Ontem, àquela altura, uma pequena multidão já começava a se formar.
Não devia ter muito mais do que um minuto de música, mas, naquele momento, a identidade do nosso rasta já era conhecida. “Seu lindo!”, gritavam alguns. Saulo já ria como se tivesse aceitado seu destino. Ele encarou um desafio e um convite do CORREIO de se disfarçar e fazer, como um presente pelos 469 anos de Salvador, um pocket show num dos locais mais representativos da cidade. A Estação da Lapa pode não ser ponto turístico, mas faz parte da rotina de milhares de soteropolitanos.
“Na hora que ele entrou aqui e vi a barbinha, já sabia. Vi o chinelo, pronto. Não entendi nada, porque achei que seria um artista de rua. Mas quando ele começou a cantar...”, explicava a atendente Ariele Gardênia, 22, que trabalha numa lanchonete em frente ao local onde Saulo começou a cantar.
Saulo emendava uma canção à outra. Quando começou Raiz de Todo Bem, foi como se falasse diretamente com alguns que estavam ali. Tirou a peruca e acabou com o disfarce. E não parava de vir gente de todo lado – das saídas do terminal, dos shoppings e do metrô.
“A gente tem tantas dores e sofre tanto preconceito na vida, mas ele é um cara que quebra paradigmas”, disse a vendedora Vanessa Henrique, que tinha acabado de chegar à estação, de onde iria para um dentista às 16h: “Acho que perdi o dentista, mas não tinha como não parar aqui”, confessou.
Para a atendente Verena Carvalho, 33, essa foi a melhor parte do presente. Para ela, Saulo é Salvador. “Ele leva o nome da cidade para todos os lugares. Se tem uma pessoa que representa Salvador, essa pessoa é Saulo”.
Saulo, na verdade, nasceu em Barreiras, no Extremo-Oeste do estado. Chegou cedo aqui, ainda criança. Começou com os pais no Nordeste de Amaralina e, depois, eles se mudaram para a Rua Visconde de Itaboraí, em Amaralina. Ali, construiu memórias. A capoeira que praticava numa daquelas esquinas. Saulo se sente adotado por Salvador.
O artista gosta de estar no meio de gente. Quando soube da proposta do CORREIO, adorou. Uma vez, já tinha tocado em um “buzu”, como ele mesmo gosta de dizer. Saiu do Iguatemi às 5h30 da manhã em direção à Ribeira. Com a apresentação na Lapa, reviveu lembranças.
“Na minha época, tinha muito isso. A galera subia para recitar uma poesia ou cantar alguma coisa. Eu acho que a arte alivia, de alguma maneira, as dores da gente”, revelou.
Isso tudo é Salvador. E essa foi a inspiração para esse projeto, segundo o gerente de marketing, projetos e mídias digitais do CORREIO, Fábio Gois: “A gente pensou muito na construção de algo que trouxesse para perto do soteropolitano o que fosse de sua essência. Então, a gente trouxe música num lugar extremamente movimentado que é um ponto de conexão da cidade, e uma surpresa positiva, que era ele caracterizado”.
A surpresa que o CORREIO preparou contou com apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador e patrocínio da Itaipava.