Correio da Bahia

O mico e o BRT

- JOLIVALDO FREITAS É ESCRITOR E JORNALISTA. JOLIVALDO.FREITAS@YAHOO.COM.BR

Desde 1969, quando se falava de forma incipiente em ecologia, nas principais manifestaç­ões de grupos alternativ­os, como os hippies, que defendo bichos, plantas e bichos-humanos, mas nunca fui xiita e tenho uma visão num certo ponto lúdica e num outro olhar o pragmatism­o e não me iludo com Pasárgadas nem Valhalas. Daí que tenho consciênci­a que o homem, por ter saudade do seu verde ancestral, se choca com a realidade do desenvolvi­mento da urbe, e a colônia este aglomerado de gente que se concentra na orla do Atlântico Sul -, não quer saber de verde absoluto, senão estaria morando na Amazônia. Portanto, tem mesmo que brigar por um naco de plantas, terra verde, o que lhes resta mais próximo.

Mas tenho a consciênci­a que a cidade cresce, fica inchada, aglomerada, segue por vários caminhos, abrem-se novas vias e tudo fica mais longe (a escola, o trabalho, o lazer, o hospital) e para chegar lá é necessário dotar as colônias deste planeta de meios rápidos e seguros, pois todo mundo tem pressa. Quem anda de automóvel, seja o seu próprio, da Coopertaxi ou Uber, quer ir rápido. O mesmo direito que tem o estrato economicam­ente inferior da população, que precisa, urge, necessita se deslocar para a escola, o trabalho, o lazer e o hospital com presteza, célere.

E quando temos de escolher entre micos, plantas e cultura religiosa ou um transporte que vai ajudar na locomoção – no caso do BRT da Avenida ACM – mais de 340 mil pessoas que não têm carro? Fico com a consciênci­a doendo quando vejo os micos, os pássaros, as cobras sendo desalojada­s do seu habitat na avenida. Fico triste em ver que centenária­s árvores onde os adeptos da religião afro-brasileira depositam suas oferendas, seus bozós, sua fé perdem seus galhos, folhas e raízes, mas pergunto, então: o que fazer se a cidade cresce, exige e se a maior parte dos quase 4 milhões de habitantes de Salvador precisa andar, seguir, viajar, ser transporta­da por um serviço de transporte público e dentre este meio está um BRT que precisa sair rasgando?

E se para ter o BRT é necessário escorraçar os micos, entocar os objetos do candomblé e perder a seiva das árvores? Fazer o quê? Nossa cidade tem um milhão de veículos rodando, atravancan­do, criando dificuldad­es para quem precisa sair de casa para qualquer coisa. E não existe solidaried­ade. E tem mais gente que precisa do transporte público. Quem vai de carro se queixa dos engarrafam­entos, mas não deixa o carro na garagem. E, se deixar, vai como? Pois, se tivermos um BRT funcionand­o, o Metrô com eficiência, tudo melhora para todos.

Morro de pena dos micos, das larvas que se transforma­rão em borboletas, das belas paineiras, nogueiras e mangueiras, mas, infelizmen­te, como historicam­ente ocorre, a cidade urge. Como disse um representa­nte do município, é dura a realidade de quem precisa do transporte público. É dura a vida dos micos. Dá pena perder o verde. Mas... foi isso que deu, é isso que dá juntar tanta gente num mesmo lugar e onde a necessidad­e de um não é igual ao do outro, da outra esfera. A não ser que criemos o teletransp­orte, como em Star Trek.

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