Profissão: sindicalista
O Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed) convocou, no final de fevereiro, eleições para a nova diretoria. A escolha dos 4,2 mil médicos sindicalizados colocaria fim à gestão de sete anos do presidente Francisco Jorge Silva Magalhães, o Chicão. Colocaria. Pleito concluído, no dia 22 de março rompeu um conflito que mudou o curso da história. A chapa 1, de Chicão, começou a acusar a 2 de fraude, por supostas irregularidades dos votos enviados do interior à capital, e a alternância de poder está comprometida. Todos querem o sindicato.
A briga entre os médicos escancarou o emaranhado de disputas nessas entidades. Na Bahia, segundo o Ministério do Trabalho, são 805 sindicatos, 216 deles na capital.
À frente da presidência, contudo, as carinhas raramente mudam. Nos sete principais sindicatos representantes dos setores de educação, comércio, segurança, saúde, transporte e bancários, o tempo médio de uma gestão é de 9 anos e meio. Mas, por que vale a pena, durante tanto tempo, administrar uma entidade sindical?
Chicão, que espera uma resposta da Justiça para saber se continua ou passa o bastão para a chapa encabeçada por Ana Rita Luna de Tavares, responde. “O sindicato se tornou ouvido pela sociedade, entendeu? Se fosse algo sem valor nenhum, não teria essa disputa. Porque ninguém quer pegar filho feio, todo mundo só gosta do filho bonito”.
Para exercer a função, ele ganhava uma ajuda de custo de R$ 8 mil. “Eu, como médico, poderia estar ganhando muito mais”, argumenta ele.
Os sindicalistas nem sempre ganham salários ou qualquer tipo de ajuda de custo, como Chicão. Mas não deixam de representar, em alguns casos, entidades de intensa movimentação financeira. No caso do Sindimed, são R$ 335,6 mil por mês – R$ 4 milhões por ano –, só de mensalidade dos sócios.
O Sindicato dos Rodoviários, com 9,6 mil membros que pagam 3% sobre a base salarial, R$ 2,2 mil, a circulação mensal é de R$ 633,6 mil R$ 7,6 milhões por ano. Na posição de líder da entidade há seis anos está Hélio Ferreira, que diz que nenhuma parte da quantia vai para seu bolso. “É mais uma questão ideológica. É muito gostoso satisfazer o ego ao tirar coisas do patrão e dar ao trabalhador”, diz.
O dinheiro arrecadado, dizem os sindicalistas, é utilizado em convenções, assembleias, viagens, despesas das sedes e funcionários.
Há 20 anos, Rui Oliveira assumia, pela primeira vez, o cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (APLB). Repete o ato há cinco mandatos, tempo que o torna o presidente mais antigo de uma entidade sindical na Bahia. “Os filiados me pedem para ficar. São grandes conquistas aqui dentro”, justifica.
Professor de Sociologia das Organizações, Juarez Bonfim lembra que o fortalecimento dos sindicatos ocorreu, na década de 80, com a redemocratização e o processo de industrialização em Salvador e na região metropolitana nas últimas décadas. Ele ensaia uma explicação para mandatos tão longevos à frente dessas entidades: “É um processo de conquista da hegemonia: ao conseguir a aceitação da classe, esse líder, geralmente uma figura carismática, aparece como a figura da renovação. Aí, a tendência é que ele e seu grupo se alonguem na gestão”.
Alcançada a hegemonia, inclusive, os dirigentes sindicais gozam de algumas prerrogativas, observa o advogado trabalhista Maurício Trindade. Além da estabilidade no emprego, esse(a) representante tem o direito de se afastar da função formal para se dedicar às funções sindicais. “Se ele for sempre reeleito, ele vai conseguir estar sempre afastado”.
Em julho, os sindicatos receberam a notícia: dali a pouco tempo, a contribuição sindical obrigatória estaria proibida por lei, com a aprovação da reforma trabalhista. Quatro meses depois, com a lei já vigente, começaram a amargar as consequências. Até então, desde 1943, pelo menos 1% do salário dos trabalhadores iam para os sindicatos.
A mudança já começou a causar prejuízos aos sindicatos e o problema chegou à Justiça. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT-BA) contabilizou, a pedido da reportagem, 266 processos de sindicatos insatisfeitos com a proibição da contribuição sindical compulsória, desde novembro, na Bahia.
O Sindicato dos Bancários é um dos polos de insatisfação, segundo seu presidente, Augusto Vasconcelos. Ele estima que, desde novembro, R$ 1 milhão deixou de ir para a conta da entidade, composta por uma diretoria de 68 pessoas, que representam 17 mil bancários. “Isso teve um impacto brutal, porque somos muito atuantes. Só este ano, foram seis encontros regionais. Esse valor seria necessário para nossas ações”, critica. A organização decidiu, então, realizar uma assembleia, em fevereiro, para que a contribuição voltasse a ser compulsória. Falta a Justiça dar aval.
Outros seis presidentes consultados pela publicação não confirmam valores, mas relatam queda na arrecadação: algo em torno de 80%. Paulo Motta, há 10 anos representando os comerciantes, endossa o cálculo. E por que continuar à frente da presidência, mesmo com o rombo? “Vira uma cachaça”, diz.
Desde a redemocratização, os sindicalistas também têm sido figurinhas fáceis na política. Dos 43 vereadores eleitos em Salvador, quatro possuem cargos em sindicatos. Na Assembleia Legislativa, dos 63 deputados, sete ocuparam ou ocupam funções sindicatos. Em ambas as casas, não há prerrogativas diferenciadas.
A Bahia tem o quarto maior número de sindicalizados do país: segundo o IBGE, em levantamento de 2016, eram 1,53 milhão de filiados.