Game é coisa séria
Quem nunca passou horas em frente ao computador, celular ou videogame, mergulhado nos jogos eletrônicos até perder a noção do tempo? “Minha geração cresceu com o Atari”, justifica o historiador baiano Filipe Pereira, 32, apaixonado por games e até hoje dedica boa parte do tempo a eles. Fato que a família não entende muito bem, mesmo quando ele explica que se trata de trabalho.
“Para o senso comum, é difícil entender o que é trabalhar com jogos. Minha mãe até hoje não entende”, revela Filipe que também é game designer e professor da primeira graduação tecnológica em Jogos Digitais da Bahia, oferecida pela Uneb. Com mestrado em game design voltado para jogos educativos, Filipe é um dos desenvolvedores que defendem: “jogo é coisa séria”.
Outro que dá corpo à classe é o baiano Daniel Silveira, 28, primeiro brasileiro a lançar um jogo no Nintendo Switch (um dos videogames da Nintendo), o Rocket Fist. Radicado no Canadá, Daniel participa esta semana da Campus Party Bahia, que acontece na Arena Fonte Nova, de quinta a domingo, e compartilha um pouco sobre sua trajetória profissional.
“Socialmente, ainda tem um estigma em relação ao trabalho de desenvolvedores de jogos no Brasil. O pessoal não vê como trabalho sério. Sempre falam: ‘Ah, você ‘só’ joga o dia inteiro’”, aponta Daniel, que também é criador do What The Box, game que viralizou ao cair no gosto do maior youtuber do mundo, o sueco PewDiePie, que reúne 62 milhões de seguidores.
Trabalhando atualmente em um novo game que será lançado pela Nintendo, o jogo de tiro Immortal Quest, Daniel vai compartilhar detalhes do produto e do processo de trabalho na palestra que apre- senta sábado, às 13h30. Além disso, vai conversar sobre sua empresa, a Bitten Toast.
“Vou falar como começo um jogo, como faço playtests, como avalio e lanço. Vou falar o que aprendi com os jogos passados e o que as pessoas podem levar de dicas”, explica Daniel, que também vai testar um dos jogos no evento junto com a Bahia Indie Game Developers (Bind), coletivo de desenvolvedores de games independentes da Bahia.
Outro jogo que será mostrado em primeira mão na Campus Party é o Árida: um game de sobrevivência e aventura que se passa no sertão baiano com lançamento previsto para o segundo semestre, para PC. Desenvolvido pela Aoca, empresa de Filipe Pereira que faz parte da Bind, o Árida é protagonizado por uma garota que pega na enxada e mostra o dia a dia do sertanejo.
Dar representatividade a uma cultura pouco retratada nos jogos é um dos objetivos da Aoca. “Essa questão identitária ajuda as pessoas a serem mais vistas. É importante humanizar o processo. Utilizar o game como plataforma de reconhecimento identitário é o mínimo que se pode fazer”, defende Filipe. O game designer destaca, ainda, o baixo número de mulheres e negros na equipe de desenvolvedores. “Não adianta esperar por novas temáticas se as pessoas que fazem são as mesmas”, pondera.
A falta de representatividade e de compreensão social sobre a profissão é só um do entraves para o crescimento da área. “A cena da Bahia ainda está engatinhando”, destaca o diretor da empresa que organiza o Gamepólitan, maior evento de jogos do Norte e Nordeste, Ricardo Silva, 35.
“O mercado de games está dando uma rentabilidade enorme, mais do que a indústria de cinema e musical somadas. As pessoas ainda estão começando a entender o que é o cenário, e o empresariado tradicional passa a olhar com outros olhos”, avalia Ricardo. Duvida? Mais de 75% dos brasileiros jogam, segundo a pesquisa Game Brasil, de 2018. Fica a dica.