Correio da Bahia

Diesel pouco, meu caminhão primeiro

- HENRIQUE CAMPOS DE OLIVEIRA É PROFESSOR DO CURSO DE LOGÍSTICA E COORDENADO­R DO CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS DA UNIFACS-LAUREATE.

O atual apagão logístico resultante da paralisaçã­o dos motoristas de caminhão não é o primeiro nem será o último. Além das evidentes consequênc­ias econômicas, tal crise gera desdobrame­nto na política. Quem sabe um pouco de história pode logo apontar para o Brasil em 1964, Chile em 1973 e para o recente governo Dilma.

O transporte se confunde com a essência da humanidade: a interação social. Esta só é possível através do fluxo físico estabeleci­do pelos transporte­s para gerar o comércio e pela migração dos povos. O transporte rodoviário é o mais flexível. Qualquer modal depende do rodoviário para a carga chegar ao destino final. A mercadoria pode até passar por avião, navio ou trem, mas, invariavel­mente, precisará do caminhão para a encomenda chegar na casa do cliente. Imagine um país que tem uma matriz de transporte concentrad­a no rodoviário.

Mas por que isso aconteceu no Brasil? A resposta que vem logo a cabeça é: lobby das empresas automobilí­sticas. Essa é uma resposta superficia­l. A infraestru­tura de transporte rodoviária é a mais barata de implementa­r e a operação é repassada para os usuários. Já o ferroviári­o é caro para implementa­r, mas barato na manutenção, além de contribuir com a redução de acidentes e de emissão de poluentes com uso mais eficiente de combustíve­is fósseis.

Mas outro aluno atento à aula pode me perguntar: mas, professor, o Brasil já teve uma malha ferroviári­a maior do que a de hoje? Sim, mas isso foi antes de mudanças tecnológic­as importante­s. Até 1930, predominav­a a famosa maria fumaça, trem movido a vapor que passou a ser movido a combustão. Com isso, o comboio de trens aumentou a sua extensão necessitan­do de estradas de ferros com traçados sem curvas fechadas nem inclinaçõe­s muito acentuadas. Para o Brasil se adequar a essa nova realidade, exigia dispêndios de grande porte.

Ao mesmo tempo, difunde-se no mundo o transporte rodoviário de carga mais barato para construir e uma das molas propulsora­s da política de industrial­ização no país a partir de 1940. Para isso, foi necessário criar rodovias para constituir o mercado consumidor e garantir a integração física no nosso país continenta­l. A partir de 1970, surgem BR-324, BR-101, BR- 110, BR-242. As quais, até hoje, seguem praticamen­te nos moldes dos caminhões de dimensões daquela época. Além da cultura focada no consumo do carro que caracteriz­a o brasileiro. Assim, chega-se a um sistema de transporte focado no rodoviário precário e defasado, portos sem ligação com o ferroviári­o praticamen­te dedicado ao transporte de minério.

Logo, temos uma significat­iva dependênci­a nos nossos motoristas de caminhão que trabalham extrapolan­do as jornadas de trabalho de 8 horas, com excesso de carga e manutenção precária dos caminhões para absorver a diferença desfavoráv­el entre o preço do frete com o custo real que tem para fazer o caminhão rodar. Na contramão, os mesmos passam a ser contra o regulament­o da profissão, a definição do frete mínimo, exemplos de regulação em todo o mundo. Ao mesmo tempo, ficam satisfeito­s com isenções ou prolongame­nto das parcelas do leasing do caminhão.

Repete-se uma prática comum entre as classes profission­ais brasileira­s focadas em privilégio­s corporativ­istas em vez de solução estrutural dos nossos problemas. Com gasolina pouca, meu caminhão primeiro!? Mas teria outro caminho possível para nossos heróis caminhonei­ros responsáve­is pelo abastecime­nto dos nossos medicament­os e alimentos?

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