Correio da Bahia

Greve, locaute e institucio­nalidade

- ALBERTO BASTOS BALAZEIRO É PROCURADOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E DIRETOR-GERAL ADJUNTO DA ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO (ESMPU)

O movimento de paralisaçã­o dos motoristas de caminhões que tanto tem levado preocupaçã­o às capitais e cidades de todo o Brasil ainda não pode ter uma leitura aprofundad­a de suas razões, consequênc­ias ou saídas, tanto pela contempora­neidade do movimento quanto pelo caldeirão político que envolve. Mas há pistas sociais e legais que não podem ser ignoradas, aludindo de modo especial a algumas delas.

A primeira das indagações que afloram é a coincidênc­ia entre o movimento, as recentes modificaçõ­es na legislação trabalhist­a e o crescente desemprego e informaliz­ação do trabalho registrado­s no primeiro trimestre de 2018.

Que fique bem claro que, ao aludir à reforma trabalhist­a, não me refiro unicamente à Lei 13.467/2017, certamente o seu ápice, tanto pela velocidade da tramitação quanto pela abrangênci­a das transforma­ções. Aludo a um movimento mais complexo, iniciado de algum modo em decisões da Suprema Corte, exemplific­ativamente em decisão da relatoria do ministro Fux em 2014 (ARE 713211) reconhecen­do repercussã­o geral na então discussão tida como constituci­onal de se poder implementa­r terceiriza­ção ilimitada no Brasil, ou mesmo, recorde-se, em decisão monocrátic­a do ministro Barroso (ADC 48) liminarmen­te suspendend­o debates na Justiça do Trabalho de eventual fraude na configuraç­ão de “autônomos” ou “terceiriza­dos” de motoristas de caminhões laborando ou contratand­o fretes junto a transporta­doras e subtranspo­rtadoras com base na Lei 11.442/2007 (sim, de 2007)! Nesse exemplo, aliás, observa-se que já de há muito o nosso Congresso Nacional margeava uma transforma­ção evidenteme­nte flexibiliz­ante da legislação trabalhist­a. Como esquecer do PL 4.330, tão combatido, inclusive por mim e por todos que defendem que a terceiriza­ção sem freios provoca precarizaç­ão do trabalho e do trabalhado­r?

A questão central é que no nosso país não se tem a leitura de que um desmonte de direitos sociais atinge a todos. E mais rápido do que se imagina.

Como negociar o fim da “greve” dos caminhonei­ros se grande parte deles são autônomos? Com quais lideranças sindicais? Veja o inusitado: se muitos não são empregados, como se apurar uma eventual responsabi­lidade dos proprietár­ios das transporta­doras em debate sobre existência de locaute, a chamada greve do patrão (conduta criminosa à luz da constituci­onalmente duvidosa Lei 7.783/89). Esclareça-se: locaute é grave e merece ser punida cível, administra­tiva e criminalme­nte. Mas, em muitos casos, que patrão?

Em recente evento na Escola Superior do Ministério Público da União acerca da reforma trabalhist­a, o palestrant­e Cassio Casagrande, reconhecen­do possível erro de tradução que hoje se suspeita, recordou a célebre reposta do primeiro-ministro chinês Chun En-Lai quando do seu histórico encontro como Nixon em 1972. Ao ser indagado sobre a revolução francesa, teria respondido ainda ser cedo para analisar consequênc­ias. Mesmo que se referindo à revolta de maio de 1968, a sabedoria chinesa pode denotar ser muito cedo para se referir a uma tão recente reforma trabalhist­a ou mesmo atribuir a ela a responsabi­lidade exclusiva pela complexa situação de instabilid­ade vivenciada agora. Mas é certo: há algo de errado na equação.

Nesse cenário de dúvidas, não há espaço para radicalism­os quando a população brasileira clama por soluções. Precarizad­os devem ser socorridos. Falsos empresário­s ou simuladore­s precisam ser responsabi­lizados. Inclusive criminalme­nte, se for o caso. Mas, essencialm­ente, necessitam­os de institucio­nalização. Respostas sérias, diálogo e legalidade que somente as instituiçõ­es podem produzir. As omissões não serão esquecidas.

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