Correio da Bahia

De olhos e ouvidos abertos

- Marília Moreira

Uma das autoras mais celebradas da literatura brasileira contemporâ­nea, a mineira Conceição Evaristo viu o reconhecim­ento crescente da sua literatura acompanhar a procura por seus seis livros publicados e também os convites para participaç­ão em eventos.

Em Salvador, só no último ano, esteve nas concorrida­s mesas da Flicaixa e da Flipelô. Em outubro de 2016, participou da Flica, em Cachoeira, momento guardado com carinho na memória.

Hoje, às 20h, ela retorna à capital baiana para abrir o terceiro ano do projeto Mulher com a Palavra, ao lado da rapper curitibana Karol Conka. O evento, que acontece no Teatro Castro Alves, já está com ingressos esgostados. “O grande público não me assusta, mas é uma responsabi­lidade muito grande. Eu sinto que as pessoas esperam muito de mim”, diz, sobre o desafio prazeroso que é estar diante de uma quantidade cada vez maior de interessad­os sobre sua obra e trajetória.

Desde o início do mês, são eles que encampam nas redes sociais a campanha #ConceiçãoE­varistoNaA­BL, que pede a ocupação da Cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras pela escritora. Em menos de vinte dias, 19 mil pessoas assinaram a petição online - quase o dobro da meta inicial.

Em texto assinado pela professora de Literatura da Universida­de Federal da Bahia Denise Carrascosa, a petição questiona se a ABL “está preparada para compreende­r a necessidad­e de iniciar uma trajetória de reeducação em nossas formas de letramento” e lembra que o patrono da cadeira, vaga desde a morte do cineasta Nelson Pereira dos Santos, é Castro Alves, “poeta que escreveu criticamen­te sobre a escravidão a uma distância segura de não tê-la conhecido de fato”.

Conceição confirma que vai se submeter à candidatur­a “na certeza de que a gente tem de se submeter a essas audácias”. “Se não tentarmos isso, nunca estaremos lá”.

Conversamo­s há um ano, por

conta da sua participaç­ão

Literatura Conceição Evaristo nasceu rodeada de palavras e, aos 71 anos, continua fazendo delas seu maior instrument­o de trabalho. Uma das escritoras negras mais celebradas do país, ela é vencedora do Prêmio Jabuti de 2015 com o livro de contos Olhos D’Água. Militante, define sua literatura como uma escrevivên­cia: escrita que nasce de suas vivências enquanto mulher negra, de origem pobre, nascida no interior de Minas Gerais. Desde os anos 90, vive no Rio de Janeiro.

na Flicaixa. De lá para cá, foram muitos os eventos, publicaçõe­s e prêmios, que vêm crescendo desde o sucesso de Olhos D’Água (2014). Como avalia esse movimento?

Eu tenho certeza que o que mudou foi o lugar que a mídia tem me dado. E afirmo o tempo todo que esse lugar não foi ela quem construiu. Chego aqui como consequênc­ia de uma luta, de uma caminhada, dentro do movimento social negro. Meus primeiros leitores e leitoras conquistei dentro do movimento negro, ainda nos anos 90, quando passei a publicar nos Cadernos Negros. Então, já havia um leque de leitores que me sustentava, que levava meus textos para a sala de aula, que estudava minha obra na academia.

Qual a sua expectativ­a para o evento de hoje?

Eu acho que esse evento vai bombar. Karol tem idade para ser minha neta, então a gente vai congregar pessoas não tão jovens, como eu, mas também um público que vai ávido para encontrar Karol. Já estive com ela durante o Prêmio Bravo, ano passado, mas nunca participam­os juntas de um debate como esse. Tem que ser um encontro bonito e fértil.

A indicação de seu nome para a Academia Brasileira de Letras surgiu de modo espontâneo nas redes sociais, provocando um grande debate. Como a senhora recebeu esse movimento? Há algum incômodo?

A mim não incomoda não, mas se incomoda a Academia, isso eu não sei. Mesmo se incomodass­e, foi algo muito espontâneo. Quanto tomei consciênci­a, já estava na rua. A Flavia Oliveira, uma jornalista negra carioca, foi a primeira a falar disso na sua coluna. Depois o Ancelmo Gois repercutiu. Outros jornalista­s me procuraram, mas já tinha escutado as pessoas do movimento negro e outros leitores falando que o próximo passo meu era a Academia Brasileira de Letras. Quando isso era colocado num círculo pequeno, eu não refletia muito. Não entreguei ainda a carta de candidatur­a, porque não tive tempo de fazer. Mas, em todo espaço que eu chego, as pessoas depositam essa expectativ­a. Eu me sinto também comprometi­da com essa expectativ­a, que tem me ajudado a refletir que a Academia também é um espaço nosso. A literatura representa uma nação e a Acade-

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