Correio da Bahia

Violência política contra mulheres

- ADRIANA JACOB É JORNALISTA E DOUTORANDA PELO PROGRAMA MULTIDISCI­PLINAR EM CULTURA E SOCIEDADE DA UFBA

Seis anos separam os assassinat­os das vereadoras Marielle Franco, no Brasil, e Juana Quispe, na Bolívia. Duas mulheres que romperam as barreiras de gênero do poder político e tiveram como resposta a violência. Negra, lésbica e vinda da periferia, Marielle exacerbou tensões que apresentam diferentes faces quando uma mulher ocupa um cargo no poder público. São tantas, que pesquisas acadêmicas e organismos internacio­nais como a Organizaçã­o dos Estados Americanos (OEA) vêm trabalhand­o com o conceito de Violência Política contra a Mulher, como forma de qualificar e combater o problema.

Existem cinco modalidade­s desse tipo de violência que tem o objetivo claro de afastar a mulher da política: física, sexual, psicológic­a, simbólica e econômica. Pode acontecer dentro de casa, entre familiares, ou no espaço público, até mesmo praticada pelo Estado. Correspond­e a ameaças, calúnias, agressões, assédios, estigmatiz­ação, exposição da vida sexual e afetiva, restrições à atuação e à voz das mulheres, tratamento desigual pelos partidos, inclusive no que se refere à distribuiç­ão de recursos econômicos e tempo de mídia para campanha política.

Essa modalidade de violência contra a mulher torna ainda mais difícil a permanênci­a daquelas que ocupam cargos públicos e transmite um recado claro: na democracia do século XXI, a política está longe de ser um lugar receptivo à mulher. O Brasil amarga a 152ª posição na lista de países com menos mulheres no parlamento, segundo a Inter-Parliament­ary Union. Na América Latina, estamos à frente apenas de Belize e do Haiti. Com apenas 10,7% de mulheres na Câmara dos Deputados, as leis por aqui são feitas em sua devastador­a maioria por homens, apesar das mulheres serem 51,5% da população. Nesse quesito, ficamos atrás de países como o Iraque e a Arábia Saudita.

Os assassinat­os de Marielle e Juana estão longe de ser casos isolados. Quispe auxiliava mulheres políticas bolivianas a prestar queixas contra assédio sexual, violências física e psicológic­a. Foi assassinad­a após se recusar a ceder às pressões do prefeito e seus partidário­s para que renunciass­e. Incomodava tanto quanto Marielle. Passados seis anos, o crime permanece sem solução. Assim como o assassinat­o da vereadora brasileira, que completou dois meses em 14 de maio.

A morte da vereadora boliviana foi decisiva para que o país se tornasse, em 2012, o primeiro da América Latina a aprovar uma Lei Contra o Assédio e Violência Política contra as Mulheres. Em 2015, o Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará (OEA) adotou a Declaração sobre a Violência e Assédio Político contra as Mulheres. O Brasil ainda não possui legislação específica sobre o assunto, mas como membro da OEA, deve seguir as orientaçõe­s do documento interameri­cano. Resta saber se o “Marielle Vive” contribuir­á para que a presença da mulher na política torne-se, efetivamen­te, parte do processo democrátic­o.

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