Moradores relatam medo: ‘Aqui sou cego e surdo’
de PMs, que teriam confundido o cabo com assaltantes. O caso está sendo investigado.
Ainda de acordo com o secretário Maurício Barbosa, a SSP investiga até mesmo a possibilidade de ação de um grupo de extermínio. Em entrevista ao CORREIO, ele destacou que foi um fim de semana “atípico” – especialmente por sair de uma sexta-feira em que não houve nenhum assassinato para registrar 17 no dia seguinte.
No Vale das Pedrinhas, a presença policial foi feita ontem por viaturas da 40ª CIPM (Nordeste de Amaralina), responsável pelo policiamento ostensivo no complexo. “A determinação da Secretaria da Segurança Pública é sufocar o tráfico de drogas local e continuaremos 24h no bairro, patrulhando”, afirmou o comandante da Rondesp Atlântico, major Edmundo Assemany, em referência às áreas da Santa Cruz e do Nordeste de Amaralina.
O comandante da 40ª CIPM, major Amilton Souza Teixeira Júnior, informou que as operações no complexo não têm prazo determinado. “Todos tinham envolvimento com o tráfico e tinham passagem na polícia”, disse o comandante sobre as quatro mortes de suspeitos ontem e anteontem.
“Ainda não dá para dizer se esses que morreram no confronto têm ligação com a morte do cabo (Gonzaga)”, afirmou o comandante.
Em nota, a Polícia Militar informou que, na madrugada de ontem, policiais militares da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/ Rondesp Atlântico) faziam patrulhamento no Largo do Elite, na Santa Cruz, “e, com a aproximação da viatura, um grupo de indivíduos começou a atirar contra os policiais militares”. Dois foram baleados (Anderson e Rafael), levados ao HGE, mas não resistiram. Os outros integrantes do grupo fugiram, segundo a PM, sem citar quantos homens teriam fugido. Antônio Caíque Santos Oliveira, 25 anos, é um dos gerentes da facção Comando da Paz (CP), que controla o tráfico nos bairros que formam o complexo do Nordeste de Amaralina.
Ainda moleque, Caíque foi cooptado pelo tráfico e começou nas funções de aviãozinho e olheiro. Na adolescência, se exibia com um fuzil.
Hoje, ele é um dos olhos e gatilho de Joseval Bandeira, o Val Bandeira, que mesmo cumprindo pena na Unidade Especial Disciplinar do Complexo Penitenciário da Mata Escura, continua mandando na região do Nordeste.
Antes de ser executado, o cabo da Polícia Militar Gustavo Gonzaga da Silva, 44, foi torturado por traficantes da área que Caíque comanda.
“Ele era um menino comum. Vivia solto, não estudava, vivia na ociosidade. Os pais não ligavam para ele. Aí o caminho errado o chamou. Inicialmente, começou a ganhar dinheiro sendo olheiro e aviãozinho de um grupo criminoso que atuava no Comando do Boqueirão (CB), na Santa Cruz”, contou um agente da 28ª Delegacia (Nordeste de Amaralina), onde já esteve preso.
O CORREIO revelou com exclusividade a existência da quadrilha CB, em setembro de 2012. Nessa época, Caíque “teve autorização da cúpula do CB para montar sua primeira boca”, contou o policial. A ascensão de Caíque veio com a chegada do CP no complexo, dois anos depois.
Ainda de acordo com o agente da unidade, Caíque é investigado por envolvimento na morte do ex-policial civil Carlos Alberto das Neves Barreto, o Rambo. Ele foi assassinado em junho de 2016, no Vale das Pedrinhas. Final de linha da Santa Cruz, 10h50 de ontem. Uma fileira de ônibus à direita da pista intensificava ainda mais o trânsito caótico. “É porque viaturas ocuparam parte do final de linha”, disse um dos rodoviários. Desde o início da manhã, unidades do Batalhão de Choque da Polícia Militar se posicionaram no bairro. O reforço se deu após a morte do cabo Gonzaga.
Um PM posicionado ao lado de um mercadinho disse que, apesar da tensão, a situação está sob controle. “Até agora não tivemos nenhuma alteração. Está tudo tranquilo”, disse o policial.
Mesmo com a presença da polícia, comerciantes não escondiam o medo. “A gente sabe que os policiais não ficarão constantemente. Terão que sair. E a gente, vai ficar como?”, questionava a dona de um salão de beleza.
O CORREIO conversou com um dos cobradores que rodam no local. “Moro no bairro. Aqui sou cego, surdo e mudo”, declarou o cobrador, ao evidenciar a lei do silêncio que impera no local.
“É difícil estar em um bairro periférico e lutar diariamente pra sobreviver.” Com essas palavras, uma jovem de 28 anos, moradora do Nordeste de Amaralina, sintetizou o fim da noite de anteontem e madrugada de ontem, no bairro. Nesses dois dias, foram quatro mortes. Mais um suspeito foi morto pela polícia no sábado.
“Essa foi uma das piores noites da minha vida. O silêncio da madrugada foi tomado por gritos que ecoavam de várias partes do bairro. Temor, impotência, angústia foram os sentimentos que tomaram conta do meu coração diante da abordagem da Polícia Militar que durou mais de uma hora na noite desta segunda pra terça. Mais de 30 tiros. Mortos, não se sabe a conta certa”, escreve ela. O depoimento pode ser conferido na íntegra no site correio24horas.com.br.