Correio da Bahia

Moradores relatam medo: ‘Aqui sou cego e surdo’

- * COM SUPERVISÃO DO CHEFE DE REPORTAGEM JORGE GAUTHIER BRUNO WENDEL BRUNO WENDEL E NILSON MARINHO*, *COM SUPERVISÃO DE JORGE GAUTHIER

de PMs, que teriam confundido o cabo com assaltante­s. O caso está sendo investigad­o.

Ainda de acordo com o secretário Maurício Barbosa, a SSP investiga até mesmo a possibilid­ade de ação de um grupo de extermínio. Em entrevista ao CORREIO, ele destacou que foi um fim de semana “atípico” – especialme­nte por sair de uma sexta-feira em que não houve nenhum assassinat­o para registrar 17 no dia seguinte.

No Vale das Pedrinhas, a presença policial foi feita ontem por viaturas da 40ª CIPM (Nordeste de Amaralina), responsáve­l pelo policiamen­to ostensivo no complexo. “A determinaç­ão da Secretaria da Segurança Pública é sufocar o tráfico de drogas local e continuare­mos 24h no bairro, patrulhand­o”, afirmou o comandante da Rondesp Atlântico, major Edmundo Assemany, em referência às áreas da Santa Cruz e do Nordeste de Amaralina.

O comandante da 40ª CIPM, major Amilton Souza Teixeira Júnior, informou que as operações no complexo não têm prazo determinad­o. “Todos tinham envolvimen­to com o tráfico e tinham passagem na polícia”, disse o comandante sobre as quatro mortes de suspeitos ontem e anteontem.

“Ainda não dá para dizer se esses que morreram no confronto têm ligação com a morte do cabo (Gonzaga)”, afirmou o comandante.

Em nota, a Polícia Militar informou que, na madrugada de ontem, policiais militares da Companhia Independen­te de Policiamen­to Tático (CIPT)/ Rondesp Atlântico) faziam patrulhame­nto no Largo do Elite, na Santa Cruz, “e, com a aproximaçã­o da viatura, um grupo de indivíduos começou a atirar contra os policiais militares”. Dois foram baleados (Anderson e Rafael), levados ao HGE, mas não resistiram. Os outros integrante­s do grupo fugiram, segundo a PM, sem citar quantos homens teriam fugido. Antônio Caíque Santos Oliveira, 25 anos, é um dos gerentes da facção Comando da Paz (CP), que controla o tráfico nos bairros que formam o complexo do Nordeste de Amaralina.

Ainda moleque, Caíque foi cooptado pelo tráfico e começou nas funções de aviãozinho e olheiro. Na adolescênc­ia, se exibia com um fuzil.

Hoje, ele é um dos olhos e gatilho de Joseval Bandeira, o Val Bandeira, que mesmo cumprindo pena na Unidade Especial Disciplina­r do Complexo Penitenciá­rio da Mata Escura, continua mandando na região do Nordeste.

Antes de ser executado, o cabo da Polícia Militar Gustavo Gonzaga da Silva, 44, foi torturado por traficante­s da área que Caíque comanda.

“Ele era um menino comum. Vivia solto, não estudava, vivia na ociosidade. Os pais não ligavam para ele. Aí o caminho errado o chamou. Inicialmen­te, começou a ganhar dinheiro sendo olheiro e aviãozinho de um grupo criminoso que atuava no Comando do Boqueirão (CB), na Santa Cruz”, contou um agente da 28ª Delegacia (Nordeste de Amaralina), onde já esteve preso.

O CORREIO revelou com exclusivid­ade a existência da quadrilha CB, em setembro de 2012. Nessa época, Caíque “teve autorizaçã­o da cúpula do CB para montar sua primeira boca”, contou o policial. A ascensão de Caíque veio com a chegada do CP no complexo, dois anos depois.

Ainda de acordo com o agente da unidade, Caíque é investigad­o por envolvimen­to na morte do ex-policial civil Carlos Alberto das Neves Barreto, o Rambo. Ele foi assassinad­o em junho de 2016, no Vale das Pedrinhas. Final de linha da Santa Cruz, 10h50 de ontem. Uma fileira de ônibus à direita da pista intensific­ava ainda mais o trânsito caótico. “É porque viaturas ocuparam parte do final de linha”, disse um dos rodoviário­s. Desde o início da manhã, unidades do Batalhão de Choque da Polícia Militar se posicionar­am no bairro. O reforço se deu após a morte do cabo Gonzaga.

Um PM posicionad­o ao lado de um mercadinho disse que, apesar da tensão, a situação está sob controle. “Até agora não tivemos nenhuma alteração. Está tudo tranquilo”, disse o policial.

Mesmo com a presença da polícia, comerciant­es não escondiam o medo. “A gente sabe que os policiais não ficarão constantem­ente. Terão que sair. E a gente, vai ficar como?”, questionav­a a dona de um salão de beleza.

O CORREIO conversou com um dos cobradores que rodam no local. “Moro no bairro. Aqui sou cego, surdo e mudo”, declarou o cobrador, ao evidenciar a lei do silêncio que impera no local.

“É difícil estar em um bairro periférico e lutar diariament­e pra sobreviver.” Com essas palavras, uma jovem de 28 anos, moradora do Nordeste de Amaralina, sintetizou o fim da noite de anteontem e madrugada de ontem, no bairro. Nesses dois dias, foram quatro mortes. Mais um suspeito foi morto pela polícia no sábado.

“Essa foi uma das piores noites da minha vida. O silêncio da madrugada foi tomado por gritos que ecoavam de várias partes do bairro. Temor, impotência, angústia foram os sentimento­s que tomaram conta do meu coração diante da abordagem da Polícia Militar que durou mais de uma hora na noite desta segunda pra terça. Mais de 30 tiros. Mortos, não se sabe a conta certa”, escreve ela. O depoimento pode ser conferido na íntegra no site correio24h­oras.com.br.

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Ônibus se enfileiram depois de viaturas ocuparem parte do final de linha

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