Correio da Bahia

O sertão de todos nós

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Mire (e) veja. A expressão é quase um refrão de Grande Sertão: Veredas, obra-prima do escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967). É a partir dela que o leitor é convocado pelo jagunço Riobaldo a prestar atenção no que é narrado. Mire (e) veja. “É quase um refrão da vida. Não é fácil. Você tem que querer ver, tem que estar disponível para isso”, diz a diretora Bia Lessa, responsáve­l pela adaptação do texto para o teatro.

É com essa disposição que quem for assistir ao espetáculo deve chegar. Não só porque ele é longo - são duas horas e vinte de duração, sem intervalos -, mas, sobretudo, porque fruí-lo demanda esforço, assim como a vida.

É exatamente por isso que não há pausas. “O livro termina com um sinal de infinito. O Grande Sertão: Veredas é um rio caudaloso, algo que não se pode brecar”, destaca Bia Lessa, que decidiu voltar à direção teatral com este trabalho.A última vez que ela tinha dirigido um espetáculo foi em 2009. Três anos antes, havia explorado a obra de Guimarães em uma exposição no Museu da Língua Portuguesa.

“Eu defendia Guimarães no museu sem nem mesmo ter lido o livro, só com o conhecimen­to de que era uma obra fundadora. Depois dessa experiênci­a e de ler o livro muitas vezes, acabei convidando a mim mesma a estar com ele mais tempo”, conta sobre a decisão de fazer a adaptação anos depois.

Para Bia, montar Grande Sertão é enfrentar questões necessária­s de se falar, que têm a ver com a construção de um novo ser humano, de uma outra humanidade.

Por isso, pouco importa se o espetáculo é longo ou curto. “O que interessa é o tempo que você quer se dedicar. Eu, Bia, quero me dedicar um ano a Guimarães, com todas as possibilid­ades e problemas que ele pode me dar? Eu quis!”, pondera.

A obra acompanha a saga do jagunço Riobaldo (Caio Blat e Luisa Arraes), que atravessa o sertão para combater seu inimigo Hermógenes (José Maria Rodrigues), fazer um pacto com o diabo e viver seu amor por Diadorim (Luiza Lemmertz). Guerra, amor, dor, prazer, miséria, poder. Todos os grandes temas que perpassam a existência estão lá.

Há um mês, Grande Sertão: Veredas deu início à sua turnê pelo país e ganhou palcos maiores que o das temporadas de estreia em São Paulo e no Rio de Janeiro. Vencedor do Prêmio APCA 2017 na categoria Melhor Direção, do Prêmio Shell nas categorias Melhor Direção e Melhor Ator (Caio Blat) e do Prêmio Bravo! 2018 na categoria Melhor Espetáculo de Teatro, o espetáculo agora roda o país sem patrocínio­s.

Os desafios de bancar todos os custos e de fazer a peça chegar ao maior número de pessoas, muitas vezes em um único fim de semana, fez com que a produção se rendesse a palcos maiores. “Queria que muita gente visse, queria circular com esse espetáculo com ingressos a R$ 10, mas não foi possível. Por isso, quero agradecer à plateia, que é quem financia isso, que possibilit­a o espetáculo rodar”, comenta a diretora.

Quem for assistir ao espetáculo no Teatro Castro Alves poderá ter duas experiênci­as bem distintas, a depender do local que escolha sentar.

Aqueles que sentarem nas filas tradiciona­is terão uma dimensão da cena como um todo, verão quase que uma guerra coreografa­da.

Já quem sentar na gaiola uma estrutura de andaimes instalada no palco - terá acesso a fones de ouvido, que permitem uma experiênci­a sonora ainda mais intensa.

Aliás, a trilha sonora merece um parágrafo à parte. Ela completa a atmosfera, estruturan­do-se em três camadas: os ruídos e sons ambientes, a música composta por Egberto Gismonti e a trilha sonora

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Dirigidos por Bia Lessa, dez atores assumiram missão de dar vida à maior obra literária brasileira do século 20
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