Correio da Bahia

Tribunal determinou embargo das obras e multa

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Suspeito de invadir a terra de uma agricultor­a de 74 anos, um hotel de luxo que está sendo construído pela incorporad­ora Bahia Beach e será operado pelo Grupo Fasano, em Trancoso, povoado de Porto Seguro (Extremo Sul da Bahia), está com as obras parcialmen­te embargadas pela Justiça, que ainda aplicou à Bahia Beach multa de R$ 1,68 milhão por descumprim­ento de ordem judicial.

A decisão do embargo parcial das obras e a aplicação da multa foram determinad­as pelo Tribunal de Justiça da Bahia no último dia 10, após ação possessóri­a de autoria de Joaquina Antonia Soares, 74 anos, dona de um terreno de 28 hectares que, segundo o tribunal, foi invadido pelas obras do empreendim­ento Reservas Trancoso, lançado em 2016 pelo Fasano, com custo inicial de R$ 130 milhões.

Anteontem, a Vara Cível de Porto Seguro, em atendiment­o à decisão do TJ, deu prazo de 15 dias para o pagamento da multa, cujo descumprim­ento se refere a outra decisão do dia 8 de maio de 2017 (também do tribunal) que embargou totalmente as obras por causa da suspeita de invasão. A multa deve ser paga pela Bahia Beach, acionada no processo por Joaquina.

O projeto hoteleiro em Trancoso, assinado pelo arquiteto paulistano Isay Weinfeld, que também responde pelo design dos Hotéis Fasano São Paulo e Fasano Punta del Este (Uruguai), prevê um condomínio com 19 lotes dentro de um complexo com um hotel de 40 bangalôs e 23 vilas residencia­is, numa área de 300 hectares de mata nativa a 500 metros da praia de Itapororoc­a.

O Grupo Fasano, que tem hotéis ainda no Rio, Salvador, Boa Vista, Brasília, Belo Horizonte e Angra dos Reis, escolheu a praia de Itapororoc­a para fazer o hotel por ser a queridinha de famosos nacionais e internacio­nais que visitam Trancoso, sobretudo no final de ano. A praia é uma das mais desertas do local e atrai turistas pelas suas águas cristalina­s e falésias.

No local há diversos imóveis de luxo milionário­s, como o da duquesa Georgina e do conde Ruy Brandolini, que em 2013 cobraram R$ 1 milhão da cantora americana Beyoncé para que ela ficasse hospedada por dez dias. Outros famosos que já estiveram na praia são Bill Gates, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e o cineasta Steven Spilberg.

Mas Itapororoc­a, por enquanto, não está sendo boa para os negócios do Fasano e da Bahia Beach. Os problemas começaram em 2010, quando um dos filhos de Joaquina disse a ela que as obras do Reservas Fasano avançavam sobre os 28 hectares de propriedad­e da agricultor­a, que hoje reside numa casa simples nos arredores do Quadrado, principal ponto turístico de Trancoso.

Com a decisão do TJ, a conclusão das obras, cuja licença ambiental de dois anos foi renovada em janeiro de 2017 por igual período, estava inicialmen­te prevista para janeiro de 2019, mas foi adiada para julho de 2019. A Bahia Beach nega irregulari­dades na posse da área, ao afirmar que detém documentos que provam a cadeia possessóri­a do terreno.

Mas não é isso que tem entendido o Tribunal de Justiça, que, por enquanto, vem dando razão a Joaquina. A agricultor­a recebeu o terreno aos 16 anos por meio de doação em 29 de maio de 1962, por meio de uma carta de aforamento registrada pela prefeitura de Porto Seguro. O doador é Manoel Alves dos Santos, que fez a transação com o pai da agricultor­a, Aguinaldo Soares Martins.

A doação ocorreu após o filho do doador estuprar Joaquina. Ela e o advogado Nirvan Dantas, que a defende junto com o advogado Henrique Tanajura, dizem que a doação seria uma forma de compensar o crime, e que o acordo teria sido feito em juízo, porém não há documentos que mostram isso.

Segundo juristas consultado­s pelo CORREIO, acordos desse tipo nunca estiveram previstos no Código Penal Brasileiro, que é de 1940. O máximo que poderia ter ocorrido, dizem, é um acordo extrajudic­ial que culminou com a doação do terreno em troca de o autor do crime não ser denunciado à Justiça. No Cartório de Registro de Imóveis de Porto Seguro, o terreno de Joaquina está registrado com a matrícula 40.482.

Joaquina diz que passou a habitar o local em 1973. Construiu uma casa de taipa e plantou mais de 1.500 pés de coco, manga e amêndoa, dentre outras frutas. Viveu em paz na área, criou seu casal de filhos até que se aposentou e foi morar no Quadrado. Ela diz que tem interesse em negociar a área, “mas por um valor justo”. “Nunca fui procurada por ninguém, nem pra tentar qualquer acordo”, disse.

O advogado Nirvan Dantas informou que a oferta inicial é de R$ 50 milhões, “mas em acordo judicial há conversa”. Segundo imobiliári­as consultada­s pelo CORREIO, na praia de Itapororoc­a o metro quadrado de um terreno sem benfeitori­as pode variar de R$ 800 a R$ 1 mil. A Bahia Beach chegou a oferecer R$ 850 mil pelo terreno, mas não houve acordo. Depois que Joaquina acionou a Bahia Beach na Justiça, os problemas só aumentaram. Em 8 de maio de 2017, o Tribunal de Justiça determinou o embargo total das obras e multa de R$ 10 mil por dia, caso o empreendim­ento continuass­e a vender lotes.

O caso foi parar no TJ após a Vara Cível de Porto Seguro negar pedido de antecipaçã­o de tutela feito pela defesa de Joaquina. A Justiça local não tinha observado ainda pedido de liminar feito pela agricultor­a. Depois da decisão de embargo, a Bahia Beach ainda recorreu no Tribunal, mas a decisão foi mantida no final do ano passado, sem julgar, contudo, a continuida­de das obras, o que configura desobediên­cia judicial.

A defesa de Joaquina acionou novamente o TJ, reclamando do andamento das obras e venda de lotes e, por maioria, os desembarga­dores da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça decidiram, dia 10 de julho, pela manutenção do embargo – dessa vez parcial, apenas na parte que envolve o terreno de Joaquina – e pagamento da multa.

O valor a ser pago é calculado com base na data inicial, 24 de janeiro de 2018, dia em que o tabelião Jorge Kazicawa Júnior, do Tabelionad­o de Notas e Protesto de Porto Seguro, fez constataçã­o in loco do andamento das obras no terreno que Joaquina alega ser dela, e final o dia 10 de julho de 2018.

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O empreendim­ento na localidade de Trancoso prevê um condomínio com 19 lotes, um hotel de luxo de 40 bangalôs e 23 vilas residencia­is
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