Correio da Bahia

Stand up do tempo perdido

- GABRIEL GALO É ESCRITOR.

Você sabe o que é stand up? É aquela modalidade de humor que um comediante sobe sozinho ao palco, conta piadas para agrado da plateia, sem personagen­s nem interações com outros atores. Ele, voz e microfone.

Há algumas décadas, quando este tipo de apresentaç­ão já estava consolidad­o nos EUA, surgiu um espetáculo bufo que, felizmente, já caiu em desuso. O show humilhação se dava da seguinte maneira: o pretenso humorista, durante o tempo de sua performanc­e, canalizari­a sua raiva às pessoas da plateia. Era uma sucessão de piadas que conseguia constrange­r todos os presentes. Quem ria, ria de nervoso.

Acontece que por estas bandas do país maravilhos­o que é a Bahia, as coisas demoram um tanto mais para chegar. Diz um amigo, cheio de chinfra e de galhofa, que se o mundo acabar, a Bahia fica sabendo cinco dias depois. Assim, estamos assistindo à chegada do stand up humilhação nas terras lambuzadas de dendê. E vemos a descoberta de uma nova profissão de alguém que até então tínhamos como treinador de futebol. Não há dúvidas: Vagner Mancini é, acima de tudo, um fanfarrão, um comediante de piadas de mau gosto.

Os proprietár­ios da casa de shows, apesar de tantos apelos de um público cansado de sofrer, mantiveram a programaçã­o. Mancini renovou para mais tantas apresentaç­ões. “Na pausa para a Copa ele há de melhorar!”, diziam os donos, enquanto nos bastidores o comediante era só gargalhada. Na plateia, a torcida que ainda insiste, que persiste, que não desiste.

Ontem, o fanfarrão comediante preparou piadas que certamente chocariam quem se atrevesse a vê-lo. No palco que ele mesmo levantou, alguns centímetro­s mais elevado para aumentar a sua percepção de grandeza, iniciou sua série, metralhado­ra de impropério­s.

“Para começo de conversa, Fillipe Soutto é titular da volância”. A plateia riu de nervoso. Viram a escalação, sofreram. Xingaram. O artista, no palco, ria histericam­ente da cara da apalermada audiência. Continuou. “Cortei Cedric e vou com Lucas no banco!” Os mais sensíveis começaram a chorar em desespero. “Chora mais! Porque ainda vou colocar ele pra jogar!” Alguns ameaçaram partir para a violência física.

Ele prosseguiu, ensaiando uns sarcasmos. “Qualquer coisa, se tudo der errado, podemos sempre confiar em Yago para reverter a situação”. Ele ria como hiena, puxava o ar profundame­nte para se recuperar do ataque de riso.

“E sabe o que é pior? Eu ainda consigo convencer os donos desta casa a continuar me chamando para trabalhar!” Pronto. O escárnio agora se virava também para os diretores da instituiçã­o. “E quem são eles para negociarem comigo? Depois daquele Ba-Vi da fuga, esta casa nunca esteve tão pequena em sua história!” Ele deita no palco, rindo que não se aguenta. As palavras saem em soluços.

“Na pausa para a Copa, por exemplo, tratei de botar atestado e trilha sonora nos treinament­os. Sabe aquela música Tempo Perdido da Legião? Ela mesma!” Há, apenas, humilhação no ambiente. “Mas podem ficar tranquilos. O fundo de poço tem subsolo. Esperem acabar este Ba-Vi!” Agradeceu a plateia, dando ‘até quinta-feira!’, certo de sua impune permanênci­a.

Os chefes se reúnem. “Ele não é ótimo? Tem nada de politicame­nte correto ali. Adoro esse humor anos 80”. Alguém propõe ação imediata: “mete uma hashtag aí e tudo passa”. Um desavisado aborda, “mas e a torcida?” Todos caem na gargalhada. “Principian­te...”

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