Correio da Bahia

Abandonada à própria sorte

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Da janela de casa, no Corredor da Vitória, o fotógrafo Valter Pontes fazia imagens da Baía de Todos os Santos, essa semana, quando de repente avistou uma explosão nas águas calmas. Regulou a câmera e flagrou homens em um barco e peixes mortos boiando em torno deles. A cena, divulgada no CORREIO, se repetia diante se seus olhos, como em 2015, quando da mesma varanda ele presenciou o crime e o denunciou. A pesca com bomba na baía é, portanto, uma infração frequente e ocorre à luz do dia.

Enquanto os criminosos agem tranquilam­ente, efeitos devastador­es se espalham. Calcula-se que a explosão de um artefato desse tipo atinja a profundida­de de 12 metros, muito além da superfície, e se propaga em ondas por 500 metros.

Não morrem só os peixes. O impacto arrebenta tudo em volta. Fungos, corais se esfarelam no mar. Gera lixo, desequilib­ra o ecossistem­a. Os próprios pescadores podem se ferir; não raro, passam mal ou acabam mutilados, sem braço ou perna.

A pesca predatória pode até matar a fome imediata, mas programa a escassez futura. Afinal, a natureza leva décadas para se recompor. Cada pessoa que pratica essa ilegalidad­e deve ter consciênci­a de seu papel devastador e do mal que causa ao futuro do planeta e à sobrevivên­cia dos pescadores responsáve­is. Mas a consciênci­a quanto a esses e outros erros, relacionad­os à falta de civilidade, só virá com um investimen­to verdadeiro em educação. Nesse caso, educação ambiental. Enquanto ela não vem, trabalha-se com a repressão, que deixa a desejar.

Não tem adiantado apenas as rondas planejadas pela Companhia Independen­te de Polícia de Proteção Ambiental (Coppa), em conjunto com o Inema, órgão do governo estadual. É preciso mais. Surpreende­r os criminosos em ação. É necessário, aliás. A lei, pouco firme, só pune quem é pego com os explosivos e peixes mortos. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) não fiscaliza a pesca com bomba. A Capitania dos Portos se concentra nas embarcaçõe­s. E, assim, o crime ambiental vai se perpetuand­o em um dos cenários mais bonitos da Bahia, com ocorrência­s pelas ilhas de Maré, dos Frades e do Medo.

E não é só beleza. Terceira maior do mundo, a Baía de Todos os Santos é canal de entrada e saída de mercadoria­s, o que movimenta o setor produtivo. Banha 18 municípios baianos, concentra 33% do PIB do estado e, por isso, tem também papel relevante no nosso desenvolvi­mento econômico.

É imperioso cuidar desse patrimônio e de tantos outros abandonado­s à própria sorte, como a Lagoa do Abaeté, que amarga uma reforma infindável. Sede da Amazônia Azul, a Kirumirê - que quer dizer grande mar interior, em tupinambá - deve ser prioridade nas políticas públicas do estado. Sob o risco de perdermos seu valor histórico, social, cultural e ambiental. Sem falar das oportunida­des econômicas que podem ser exploradas. É preciso o engajament­o de todos na preservaçã­o desta dádiva dada aos baianos e à humanidade.

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