Triste Bahia
A Bahia acaba de perder um dos maiores expoentes de suas artes plásticas em todos os tempos, o grande escultor Mário Cravo Júnior. Trata-se, nada mais nada menos que uma expressão singular e vigorosa do Modernismo, ocorrida em nossa terra. Paradoxalmente, há poucos dias li, com tristeza, notícia sobre o desmonte do Espaço Cravo, um equipamento cultural a céu aberto, museu de esculturas instalado no Parque Metropolitano de Pituaçu, onde se mantinham expostas centenas de suas obras e funcionavam uma oficina-escola e o seu próprio ateliê. Tal fato constitui um grave atentado à cultura em geral, um imenso desrespeito à relevante contribuição do artista para a cultura baiana e, agora, também a sua memória. Fica aqui, liminarmente, o apelo para que se preserve o Espaço Cravo!
Previsto no Plano Diretor do Centro Administrativo da Bahia (CAB), do primeiro governo ACM, o Parque Metropolitano de Pituaçu veio a ser implantado no governo seguinte, de Roberto Santos, que ali construiu o estádio, além da ciclovia e da instalação de algumas obras de arte. Tive, posteriormente, como secretário do Planejamento, já no terceiro governo ACM, a oportunidade de implantar o Espaço Cravo. Mas não é por ter tocado o projeto que me incomoda o seu desmonte. É por ver a Bahia dando as costas a sua cultura.
Não exagero se afirmar que o desmonte do Espaço Cravo, em vez de sua requalificação e valorização, só encontra paralelo na destruição da antiga Igreja da Sé para a passagem das linhas dos bondes, que décadas depois vieram a ser abandonadas... O local, aliás, é significativamente reverenciado por meio do Monumento da Cruz Caída, uma escultura de Mário Cravo, como a atestar sua importância para a nossa capital. Dele são também vários outros monumentos que encontramos em Salvador, como a Fonte da Rampa do Mercado, o Memorial a Clériston Andrade e a Sereia de Itapuã. No interior, o Cristo Crucificado, em Vitória da Conquista.
Qualquer outro lugar do mundo faria questão de dispor de um patrimônio como o Espaço Cravo, pela importância do seu patrono, além do valor que agrega ao ambiente urbano. Agora mesmo, em Minas Gerais, o estado vem recebendo, como compensação de créditos fiscais, as obras contemporâneas que ornam o Inhotim, de artistas nacionais e estrangeiros, igualmente um museu de esculturas a céu aberto, estatizando o acervo para salvar o equipamento. Inúmeros dos mais importantes museus do mundo contam com seu parque de esculturas, assim como o nosso Museu de Arte Moderna, no Solar do Unhão, onde, evidentemente, não poderia faltar obra de Mário Cravo. Mas museus-parques de esculturas individuais são raríssimos e a Bahia tem o privilégio de ter um, do qual está se desfazendo.
Há aqui um claro equívoco conceitual que os burocratas de plantão não conseguem entender: o Parque de Pituaçu, embora de grande valor ambiental, é um equipamento urbano e por isto foi implantado pela Conder, e não um parque-recurso natural, integrante do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, este sim, da esfera administrativa do Meio Ambiente. Por isso, Pituaçu nunca deveria ter sido transferido para a Secretaria do Meio Ambiente. É daí que vem o desconhecimento do caráter e da importância urbana do parque, assim como do valor e da significância cultural do Espaço Cravo.
Ainda há tempo de reverter os equívocos, para não termos que ficar a repetir Gregório de Mattos: “Triste Bahia! Ó quão dessemelhante estás e estou do nosso antigo estado!”.