OK, OK, OK
problemas de saúde enfrentados pelo cantor e compositor Gilberto Gil, 76, nos últimos anos, não diminuíram o seu ímpeto criativo. Na verdade, eles inspiraram até duas canções do seu novo e bom álbum, Ok, Ok, Ok (Gege/Biscoito Fino): Quatro Pedacinhos e Kalil.
A poética Quatro Pedacinhos fala dos procedimentos de sua internação, em 2016, quando ele foi diagnosticado com hipertensão e insuficiência renal, e teve que fazer uma biópsia no coração. Foi composta para a médica Roberta Saretta.
“Ela mandou arrancar quatro pedacinhos do meu coração/ Depois mandou examinar os quatro pedacinhos/ Um para saber se eu sinto medo/ Um para saber se eu sinto dor/ Um para saber os meus segredos/ Um para saber se eu sinto amor”, diz a letra.
O médico Roberto Kalil, que cuidou do cantor no Hospital Sírio–Libanês, em São Paulo, é o Kalil da canção homônima, uma das três faixas bônus que integram o repertório de 15 músicas de Ok, Ok, Ok, o primeiro álbum de inéditas de Gil desde Fé na Festa, de 2010.
Anteontem à noite, o artista baiano recebeu convidados e jornalistas no bonito Studio OM.art, no Jockey Club, no Rio, para um festivo lançamento do álbum e do programa Amigos, Sons e Palavras, que estreia no próximo dia 21 no Canal Brasil, às 21h30, e no qual ele conversa com artistas e personalidades. Entre eles, Caetano Veloso, Fernanda Torres, Fernando Henrique Cardoso, Drauzio Varella e Lázaro Ramos.
Artista de participação ativa na cultura e na sociedade brasileira desde o seu surgimento na década de 1960, Gil questiona no título do álbum e no ótimo single homônimo a constante solicitação de posicionamentos que lhe fazem desde sempre: “Ok, Ok, Ok, Ok, Ok, Ok/ Já sei que querem a minha opinião/ Um papo reto sobre o que eu pensei/ Como interpreto a tal, a vil situação”, canta nos primeiros versos.
“A questão de sermos solicitados a dar pitaco, opinião sobre tudo, a dizer coisas com as quais alinhamos ou não alinhamos é algo que já vem de muito tempo por força da nossa geração. Pertenço a uma geração que foi obrigada a fazer isso. Vem desde o tempo da ditadura. Muito por ímpeto, mas muito por responsalidade social, por nos tornarmos figuras públicas, ídolos”, explicou.
A sua recente participação ao lado de Chico Buarque no Festival Lula Livre, no Rio de Janeiro, foi usada como exemplo da responsabilidade social da geração de artistas dos anos 1960, que enfrentou
Artista Gilberto Gil
Produção Bem Gil
Lançamento Gege/Biscoito Fino (CD/R$ 34,50) e
Vinil/R$ 129,90), dia 17; e Apple Music (streaming) e dia 17 nas demais plataformas digitais graves problemas de direitos humanos no país.
“A música Cálice (1973) que cantei com Chico agora na manifestação a qual aderimos em favor da libertação do Lula, foi feita lá atrás falando da questão da censura na ditadura. É uma demanda que vem historicamente acontecendo para a nossa geração. Gente como eu, Chico, Caetano e tantos outros”, afirmou.
Mesmo tendo participado do Festival Lula Livre, o compositor diz que provavelmente não votaria no ex-presidente. O posicionamento não soa incoerente para um homem especial como Gil , que recusa o pensamento único, gosta da pluralidade de ideias e evita o maniqueísmo.
“Fui ao festival por questões de princípios em relação à defesa dos direitos demoOs cráticos, de pluralidade, de manifestação, de uso da palavra. Se o Lula fosse candidato, eu talvez nem votaria nele, mas sim na Marina Silva, em quem já votei duas vezes. Não estava ali defendendo a ideia da candidatura dele, mas me colocando em relação às dificuldades que temos de compreender os aspectos de lisura de seu processo e condenação”.
Dois outros fatores inspiraram a música Ok, Ok, Ok: o palanque individual e público das redes sociais, onde qualquer um acha que pode dizer o que bem quiser, e o direito do poeta e do compositor a sua própria linguagem, a sua individualidade - aliás, algo brilhantemente dito na Pérola Metáfora (1982).
“Quando estava hospitalizado me mataram duas vezes.