Violência e seus impactos na aprendizagem
O menino teria sido ameaçado. “Disse que ‘estouraria os miolos’. Não é a primeira vez que os policiais chegam na comunidade com truculência. O menino está bastante abalado”, disse uma das tias que criam o garoto.
Segundo ela, o menino não sabe por que foi baleado. “No hospital, quando ele viu a prima, chorou muito e contou que não sabe porque foi baleado”, disse a mulher. A família pretende procurar a Corregedoria da PM. A SSP-BA disse que queixas devem ser formalizadas lá.
Um dos tiros chegou a atingir a janela de um sobrado onde mora uma mulher idosa. Ela não foi atingida.
No final da manhã de ontem, familiares e amigos do estudante fizeram uma manifestação em frente ao colégio. Com faixas e cartazes, eles pediram por justiça e cobraram seriedade nas investigações. Outro protetso ocorreu por volta das 18h30.
Estudantes que faziam prova no momento dos disparos relataram que não houve troca de tiros e que três policiais entraram na escola. Segundo a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), funcionários das duas escolas não souberam dizer se o crime aconteceu dentro ou fora das unidades. Apesar disso, a reportagem do CORREIO observou rastros de sangue partindo do portão do Colégio Estadual, que fica ao lado da Escola Municipal.
Umas das quadras fica no terreno entre as duas escolas e os disparos ocorreram numa segunda quadra, que fica ao fundo, próximo aos pavilhões do Colégio Estadual.
Segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed), o caso ocorreu “na quadra de esportes localizada na área comum da unidade e do Colégio Estadual de mesmo nome”. Já a Secretaria da Educação da Bahia (SEC) afirmou que a quadra em que o aluno foi atingido é de uso exclusivo da Escola Municipal e, portanto, não teria ligações com o Colégio Estadual vizinho.
“O caso está sendo apurado pela 6ª Delegacia (Brotas), com motivação preliminar de relação com tráfico de drogas”, disse a SSP-BA. A pasta acrescentou que apenas a investigação, que está em curso, poderá determinar se o disparo que atingiu o adolescente veio de dentro ou de fora da escola.
Ontem, as duas escolas funcionaram normalmente. A escola municipal, onde a vítima estuda, conta com 686 alunos e atende a pré-escola, Ensino Fundamental I e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Já a escola estadual conta 1.102 alunos dos Ensino Fundamental II, Ensino Médio e Profissionalizante. Nos últimos tempos, tem sido comum tomarmos conhecimento de uma série de notícias envolvendo episódios de violência no ambiente escolar que acabam comprometendo o rendimento dos alunos e provocando uma sensação de insegurança no espaço sagrado do aprender.
Temos relatos de diversos tipos de violência que ocorrem no interior da escola como bullying, agressões físicas e verbais, furtos e roubos, conflitos entre professores e alunos que geram constrangimentos e mal-estar nos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Ademais, testemunhamos, frequentemente, notícias de arrastões, desavenças entre facções rivais, tiroteios, mortes e balas perdidas provocadas pelo fenômeno da violência urbana que atinge a sociedade brasileira atravessando os muros da escola, causando uma sensação de pânico e medo na comunidade escolar de diversos sistemas de ensino do país.
Nesse último caso, a escola se torna reprodutora da violência social na medida em que problemas do mundo externo interferem no desenvolvimento e efetividade do trabalho pedagógico realizado especialmente no sistema público de ensino: aumenta a incidência de registros de incivilidade, indisciplina e desrespeito à autoridade pedagógica, a evasão escolar dispara, profissionais da escola entram em licença médica em função de transtornos psicológicos variados gerados por exposição a situações de estresse e medo, os pais manifestam preocupação com a segurança de seus filhos no ambiente escolar, etc. Além disso, temos mais um agravante: o poder público não costuma dar uma atenção especial as condições básicas de funcionamento de uma unidade escolar, ou seja, a infraestrutura e segurança internas são precárias com ausência de recursos humanos e materiais necessários para um aprendizado mais eficiente e eficaz.
Quando mencionamos que a escola reflete a sociedade na qual está inserida, tal afirmação não é incorreta. A realidade brasileira nos apresenta uma série de contrastes e problemas entre os quais se destacam: espantosas desigualdades sociais e de renda, baixo nível de escolaridade (mais da metade da população acima de 25 anos possui apenas ensino fundamental completo) e considerável contingente de desempregados. Tais problemas produzem efeitos sociais como, por exemplo, aumento da violência urbana no país que repercute também nos espaços escolares.
Estudo divulgado mês passado pelo Unicef mostra que 32 milhões de crianças e adolescentes com menos de 18 anos vivem em condições de pobreza no Brasil, ou seja, além de monetariamente pobres (família com renda inferior a R$ 346 por pessoa por mês na zona urbana e R$ 269 na zona rural), estão privados de um ou mais direitos básicos como educação, informação (acesso à internet e também à TV), água, saneamento básico, moradia e proteção contra o trabalho infantil.
Se o poder público não ampliar o alcance de políticas socioeducacionais mais inclusivas e promover ações para tornar a educação escolar mais eficiente, atraente e segura para alunos, profissionais da educação, pais e comunidade, o Brasil continuará assistindo cenas vergonhosas de violência nos espaços escolares e estará fadado a ser o eterno “país do futuro” e “nossa escola uma calamidade”, como afirmara o saudoso Darcy Ribeiro.