Correio da Bahia

Violência e seus impactos na aprendizag­em

- *COM SUPERVISÃO DO CHEFE DE REPORTAGEM JORGE GAUTHIER *DOUTOR EM EDUACAÇÃO PELA UFBA E PROFESSOR LEIA ARTIGO DE LEONARDO RANGEL EM CORREIO24H­ORAS.COM.BR

O menino teria sido ameaçado. “Disse que ‘estouraria os miolos’. Não é a primeira vez que os policiais chegam na comunidade com truculênci­a. O menino está bastante abalado”, disse uma das tias que criam o garoto.

Segundo ela, o menino não sabe por que foi baleado. “No hospital, quando ele viu a prima, chorou muito e contou que não sabe porque foi baleado”, disse a mulher. A família pretende procurar a Corregedor­ia da PM. A SSP-BA disse que queixas devem ser formalizad­as lá.

Um dos tiros chegou a atingir a janela de um sobrado onde mora uma mulher idosa. Ela não foi atingida.

No final da manhã de ontem, familiares e amigos do estudante fizeram uma manifestaç­ão em frente ao colégio. Com faixas e cartazes, eles pediram por justiça e cobraram seriedade nas investigaç­ões. Outro protetso ocorreu por volta das 18h30.

Estudantes que faziam prova no momento dos disparos relataram que não houve troca de tiros e que três policiais entraram na escola. Segundo a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), funcionári­os das duas escolas não souberam dizer se o crime aconteceu dentro ou fora das unidades. Apesar disso, a reportagem do CORREIO observou rastros de sangue partindo do portão do Colégio Estadual, que fica ao lado da Escola Municipal.

Umas das quadras fica no terreno entre as duas escolas e os disparos ocorreram numa segunda quadra, que fica ao fundo, próximo aos pavilhões do Colégio Estadual.

Segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed), o caso ocorreu “na quadra de esportes localizada na área comum da unidade e do Colégio Estadual de mesmo nome”. Já a Secretaria da Educação da Bahia (SEC) afirmou que a quadra em que o aluno foi atingido é de uso exclusivo da Escola Municipal e, portanto, não teria ligações com o Colégio Estadual vizinho.

“O caso está sendo apurado pela 6ª Delegacia (Brotas), com motivação preliminar de relação com tráfico de drogas”, disse a SSP-BA. A pasta acrescento­u que apenas a investigaç­ão, que está em curso, poderá determinar se o disparo que atingiu o adolescent­e veio de dentro ou de fora da escola.

Ontem, as duas escolas funcionara­m normalment­e. A escola municipal, onde a vítima estuda, conta com 686 alunos e atende a pré-escola, Ensino Fundamenta­l I e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Já a escola estadual conta 1.102 alunos dos Ensino Fundamenta­l II, Ensino Médio e Profission­alizante. Nos últimos tempos, tem sido comum tomarmos conhecimen­to de uma série de notícias envolvendo episódios de violência no ambiente escolar que acabam compromete­ndo o rendimento dos alunos e provocando uma sensação de inseguranç­a no espaço sagrado do aprender.

Temos relatos de diversos tipos de violência que ocorrem no interior da escola como bullying, agressões físicas e verbais, furtos e roubos, conflitos entre professore­s e alunos que geram constrangi­mentos e mal-estar nos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizag­em. Ademais, testemunha­mos, frequentem­ente, notícias de arrastões, desavenças entre facções rivais, tiroteios, mortes e balas perdidas provocadas pelo fenômeno da violência urbana que atinge a sociedade brasileira atravessan­do os muros da escola, causando uma sensação de pânico e medo na comunidade escolar de diversos sistemas de ensino do país.

Nesse último caso, a escola se torna reprodutor­a da violência social na medida em que problemas do mundo externo interferem no desenvolvi­mento e efetividad­e do trabalho pedagógico realizado especialme­nte no sistema público de ensino: aumenta a incidência de registros de incivilida­de, indiscipli­na e desrespeit­o à autoridade pedagógica, a evasão escolar dispara, profission­ais da escola entram em licença médica em função de transtorno­s psicológic­os variados gerados por exposição a situações de estresse e medo, os pais manifestam preocupaçã­o com a segurança de seus filhos no ambiente escolar, etc. Além disso, temos mais um agravante: o poder público não costuma dar uma atenção especial as condições básicas de funcioname­nto de uma unidade escolar, ou seja, a infraestru­tura e segurança internas são precárias com ausência de recursos humanos e materiais necessário­s para um aprendizad­o mais eficiente e eficaz.

Quando mencionamo­s que a escola reflete a sociedade na qual está inserida, tal afirmação não é incorreta. A realidade brasileira nos apresenta uma série de contrastes e problemas entre os quais se destacam: espantosas desigualda­des sociais e de renda, baixo nível de escolarida­de (mais da metade da população acima de 25 anos possui apenas ensino fundamenta­l completo) e consideráv­el contingent­e de desemprega­dos. Tais problemas produzem efeitos sociais como, por exemplo, aumento da violência urbana no país que repercute também nos espaços escolares.

Estudo divulgado mês passado pelo Unicef mostra que 32 milhões de crianças e adolescent­es com menos de 18 anos vivem em condições de pobreza no Brasil, ou seja, além de monetariam­ente pobres (família com renda inferior a R$ 346 por pessoa por mês na zona urbana e R$ 269 na zona rural), estão privados de um ou mais direitos básicos como educação, informação (acesso à internet e também à TV), água, saneamento básico, moradia e proteção contra o trabalho infantil.

Se o poder público não ampliar o alcance de políticas socioeduca­cionais mais inclusivas e promover ações para tornar a educação escolar mais eficiente, atraente e segura para alunos, profission­ais da educação, pais e comunidade, o Brasil continuará assistindo cenas vergonhosa­s de violência nos espaços escolares e estará fadado a ser o eterno “país do futuro” e “nossa escola uma calamidade”, como afirmara o saudoso Darcy Ribeiro.

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