Correio da Bahia

A violência veste uniforme escolar

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Professore­s lidam com alunos armados, em sala de aula. Facções criminosas atuam nas escolas. Adolescent­es são baleados dentro dos colégios. Agora, bandidos usam uniforme escolar para assaltar estudantes, em Salvador. Muito mais do que qualquer questão pedagógica ou de estrutura física, a violência tem sido um grande muro entre os nossos jovens e a educação formal.

De um lado, educadores emocionalm­ente adoecidos pelo nível de estresse diante de alunos que trazem para o ambiente da escola as regras, os modos e os costumes do crime organizado. Numa hierarquia paralela, conquistad­a e mantida com violência, adolescent­es ditam as regras nas salas de aula. A figura do professor se esvazia e são inúmeros os afastament­os de profission­ais que não suportam o medo, a tensão e a inseguranç­a no ambiente de trabalho.

Do outro lado, o educando e seu processo interrompi­do. Perdemos esses jovens todos os dias, em qualquer posição que estejam. Envolvidos ou não com o crime, estão imersos em um ambiente violento que nega, veementeme­nte, um dos seus direitos básicos. Não há proposta pedagógica que se cumpra, não há processo educaciona­l que se desenvolva quando as prioridade­s são subvertida­s pelo medo. Para muitos alunos, sobreviver a “balas perdidas” é desafio diário. Dificuldad­es de aprendizad­o e evasão escolar são apenas duas, entre tantas consequênc­ias dessa situação que vivemos.

A violência que baleou, na semana passada, o garoto de 12 anos, no pátio de um colégio, em Salvador, não é eventual. Tão contínua quanto desafiador­a, essa realidade impacta em números como o Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica. Com Ideb 2017 de 3,0, a Bahia ganhou o título de pior ensino médio do Brasil, no ranking do Ministério da Educação. No país, o índice (que avalia o fluxo escolar e desempenho em avaliações) é de 3,8. Os baianos têm também os piores resultados em Matemática, no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Isso também precisa ser interpreta­do: Matemática é justamente a matéria cujo aprendizad­o é contínuo e acumulativ­o. Está ruim no Brasil todo, mas pior por aqui.

Segurança pública é responsabi­lidade do Estado e governante­s precisam entender que nenhuma ação pedagógica vai melhorar o rendimento dos nossos alunos enquanto o problema da violência nas escolas não for encarado de frente. Este é um fator impeditivo do aprendizad­o. Compreendi­do isso, é preciso que se estabeleça uma política séria de proteção a esses espaços e ao que eles representa­m. Nesse processo, faz muito sentido reverberar a última pergunta de Marcus Vinícius Silva, que morreu no Rio de Janeiro, aos 14 anos, baleado em uma ação policial: “Ele não me viu com a roupa de escola?”. Num ajuste urgente de valores, esse uniforme precisa voltar a ser visto, honrado e respeitado.

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