Correio da Bahia

Feirantes se queixam de crise este ano

- *COM SUPERVISÃO DO CHEFE DE REPORTAGEM JORGE GAUTHIER

negar. Cada um come o que pode e gosta”, destacou.

Já o feirante Raimundo Souza, 63 anos, há 50 vendendo quiabo na Feira de São Joaquim, diz que “sem camarão e frango, não existe tradição”. Para ele, o prato vegano “pode ser chamado de qualquer nome, menos de caruru”.

Nisso, o professor Vilson Caetano, responsáve­l por disciplina­s de alimentaçã­o e cultura na Escola de Nutrição da Ufba e pós-doutor pela Unesp, concorda. E ele é enfático quando diz que caruru vegano não é caruru.

“Candomblé vegano é igual a Sítio do Pica-Pau Amarelo: onde a boneca de pano fala e o sabugo de milho é visconde. Eu não sei se São Cosme aceita caruru vegano. Não existe candomblé sem sangue”, destaca.

“Não se trata apenas de um prato, mas toda uma celebração que envolve a ancestrali­dade. Não é apenas sobre preparar os ingredient­es, é preciso olhar todo o contexto ao redor”, completa Caetano.

Quanto aos valores nutriciona­is, Lilian Lessa, professora de Nutrição da Ufba, explica que não há grandes perdas na receita vegana e que, olhando por um lado, pode ser até positivo.

“Muita gente é alérgica a camarão, que é utilizado na receita mais como um tempero. A saída desse ingredient­e deixa o caruru com um sabor mais suave. Além disso, a proteína que viria do camarão é compensada pela castanha já que, normalment­e, essas receitas veganas aumentam a quantidade de tempero para realçar o sabor”.

Vegano ou tradiciona­l, o importante é preparar a lista de compras e não deixar para a última hora. Na Feira de São Joaquim, uma das maiores da capital baiana, o dono de um box de tempero verde Edson Freitas de Oliveira explica que, a depender da colheita, é possível que os preços subam na próxima semana.

“Tudo depende se chove ou faz sol. Quando chove, a colheita aumenta e a gente recebe mais produtos. Já quan- do o clima fica seco, a colheita diminui. Como a procura aumenta e os produtos são mais escassos, os preços também sobem”, diz o feirante.

Lá, o valor médio do maço do tempero verde é R$ 2,50, mesmo preço encontrado pelo CORREIO no Mercado Municipal de Periperi. Já nas Sete Portas, o valor é menor R$ 1, economia de 60%.

O camarão, eliminado do prato vegano, está ainda mais caro esse ano. Em São Joaquim, o quilo foi encontrado a R$ 41, valor quase 15% mais alto do que o registrado em 2017, quando custava R$ 36.

Já o quilo do frango foi encontrado em São Joaquim a preço médio de R$ 14 - sendo R$ 7,49 o animal morto na hora e R$ 20 a ave viva. Na Sete Portas, o quilo do frango custa, em média, R$ 30.

Uma vez eliminados os ingredient­es de origem animal, é a vez de buscar o melhor preço nos outros itens. O quiabo mais barato é o de São Joaquim: R$ 7.

O quilo da cebola foi encontrado a R$ 1 na Sete Portas e a R$ 1,50 em São Joaquim. Já em Periperi, um saco com menos de 1 quilo custa R$ 4. No ano passado, custava R$ 2. Foi o que mais caiu de preço.

O amendoim torrado mais barato é vendido em São Joaquim, a R$ 6,50 o quilo. Parente do amendoim, a castanha de caju não sofreu aumento - o quilo pode ser encontrado a R$ 34. O gengibre sai de R$ 7 a R$ 11 o quilo.

Leide Garcia Santos vai fazer o caruru para distribuir e afirmou que não sentiu diferença de preço em relação ao ano passado: “Esse caruru é de geração, que vem desde minha avó. Os preços aqui continuam os mesmos”.

Já o feirante Antônio José dos Santos, 38, disse que já observou que a crise tem pesado no bolso dos clientes. “Tenho clientes que faziam caruru com mil quiabos e hoje vêm aqui comprar cerca de 300. Mas eu continuo atendendo a todos sem distinção, até porque também estou no meio dessa crise e preciso vender”, brincou. A crise econômica ganhou força total em 2018. É o que afirmam os donos de boxes nas feiras de São Joaquim e Sete Portas, além do Mercado Municipal de Periperi, em Salvador. Nesse último, por exemplo, a equipe do CORREIO encontrou muitos espaços vazios e os itens do caruru quase não eram vistos nas bancadas.

A feirante Denise Souza, 59 anos, há 20 na profissão, é uma das poucas que vendem - ou tenta vender azeite de dendê, feijão fradinho, castanha e amendoim no local. “Este ano, o movimento está muito fraco. Acho que as pessoas desistiram de manter a tradição, por causa da crise”, diz.

Outra dona de box, que preferiu não se identifica­r, disse que nem chegou a investir nos produtos. “Eu sempre vendia os ingredient­es do caruru no mês de setembro, mas, este ano, eu nem comprei, porque já sabia que não iria vender muito”, concluiu.

Já na Feira de São Joaquim, o vendedor de quiabo Paulo Roberto, que atua na atividade desde os 10 anos de idade, ainda ajudando o pai, não demonstrou preocupaçã­o com as vendas. “Quiabo sai o ano todo. Eu estou aqui trabalhand­o normalment­e, como sempre faço. Se as vendas aumentarem, ótimo”, contou.

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Muitos não abrem mão do camarão

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