Feirantes se queixam de crise este ano
negar. Cada um come o que pode e gosta”, destacou.
Já o feirante Raimundo Souza, 63 anos, há 50 vendendo quiabo na Feira de São Joaquim, diz que “sem camarão e frango, não existe tradição”. Para ele, o prato vegano “pode ser chamado de qualquer nome, menos de caruru”.
Nisso, o professor Vilson Caetano, responsável por disciplinas de alimentação e cultura na Escola de Nutrição da Ufba e pós-doutor pela Unesp, concorda. E ele é enfático quando diz que caruru vegano não é caruru.
“Candomblé vegano é igual a Sítio do Pica-Pau Amarelo: onde a boneca de pano fala e o sabugo de milho é visconde. Eu não sei se São Cosme aceita caruru vegano. Não existe candomblé sem sangue”, destaca.
“Não se trata apenas de um prato, mas toda uma celebração que envolve a ancestralidade. Não é apenas sobre preparar os ingredientes, é preciso olhar todo o contexto ao redor”, completa Caetano.
Quanto aos valores nutricionais, Lilian Lessa, professora de Nutrição da Ufba, explica que não há grandes perdas na receita vegana e que, olhando por um lado, pode ser até positivo.
“Muita gente é alérgica a camarão, que é utilizado na receita mais como um tempero. A saída desse ingrediente deixa o caruru com um sabor mais suave. Além disso, a proteína que viria do camarão é compensada pela castanha já que, normalmente, essas receitas veganas aumentam a quantidade de tempero para realçar o sabor”.
Vegano ou tradicional, o importante é preparar a lista de compras e não deixar para a última hora. Na Feira de São Joaquim, uma das maiores da capital baiana, o dono de um box de tempero verde Edson Freitas de Oliveira explica que, a depender da colheita, é possível que os preços subam na próxima semana.
“Tudo depende se chove ou faz sol. Quando chove, a colheita aumenta e a gente recebe mais produtos. Já quan- do o clima fica seco, a colheita diminui. Como a procura aumenta e os produtos são mais escassos, os preços também sobem”, diz o feirante.
Lá, o valor médio do maço do tempero verde é R$ 2,50, mesmo preço encontrado pelo CORREIO no Mercado Municipal de Periperi. Já nas Sete Portas, o valor é menor R$ 1, economia de 60%.
O camarão, eliminado do prato vegano, está ainda mais caro esse ano. Em São Joaquim, o quilo foi encontrado a R$ 41, valor quase 15% mais alto do que o registrado em 2017, quando custava R$ 36.
Já o quilo do frango foi encontrado em São Joaquim a preço médio de R$ 14 - sendo R$ 7,49 o animal morto na hora e R$ 20 a ave viva. Na Sete Portas, o quilo do frango custa, em média, R$ 30.
Uma vez eliminados os ingredientes de origem animal, é a vez de buscar o melhor preço nos outros itens. O quiabo mais barato é o de São Joaquim: R$ 7.
O quilo da cebola foi encontrado a R$ 1 na Sete Portas e a R$ 1,50 em São Joaquim. Já em Periperi, um saco com menos de 1 quilo custa R$ 4. No ano passado, custava R$ 2. Foi o que mais caiu de preço.
O amendoim torrado mais barato é vendido em São Joaquim, a R$ 6,50 o quilo. Parente do amendoim, a castanha de caju não sofreu aumento - o quilo pode ser encontrado a R$ 34. O gengibre sai de R$ 7 a R$ 11 o quilo.
Leide Garcia Santos vai fazer o caruru para distribuir e afirmou que não sentiu diferença de preço em relação ao ano passado: “Esse caruru é de geração, que vem desde minha avó. Os preços aqui continuam os mesmos”.
Já o feirante Antônio José dos Santos, 38, disse que já observou que a crise tem pesado no bolso dos clientes. “Tenho clientes que faziam caruru com mil quiabos e hoje vêm aqui comprar cerca de 300. Mas eu continuo atendendo a todos sem distinção, até porque também estou no meio dessa crise e preciso vender”, brincou. A crise econômica ganhou força total em 2018. É o que afirmam os donos de boxes nas feiras de São Joaquim e Sete Portas, além do Mercado Municipal de Periperi, em Salvador. Nesse último, por exemplo, a equipe do CORREIO encontrou muitos espaços vazios e os itens do caruru quase não eram vistos nas bancadas.
A feirante Denise Souza, 59 anos, há 20 na profissão, é uma das poucas que vendem - ou tenta vender azeite de dendê, feijão fradinho, castanha e amendoim no local. “Este ano, o movimento está muito fraco. Acho que as pessoas desistiram de manter a tradição, por causa da crise”, diz.
Outra dona de box, que preferiu não se identificar, disse que nem chegou a investir nos produtos. “Eu sempre vendia os ingredientes do caruru no mês de setembro, mas, este ano, eu nem comprei, porque já sabia que não iria vender muito”, concluiu.
Já na Feira de São Joaquim, o vendedor de quiabo Paulo Roberto, que atua na atividade desde os 10 anos de idade, ainda ajudando o pai, não demonstrou preocupação com as vendas. “Quiabo sai o ano todo. Eu estou aqui trabalhando normalmente, como sempre faço. Se as vendas aumentarem, ótimo”, contou.