Correio da Bahia

Ritalina é usado para tratar TDAH

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Bernardo tinha problemas para se concentrar. Na sala de aula, olhava para o quadro, mas bastava que um colega na carteira ao lado pegasse um lápis para que toda a sua atenção fosse desviada. “Quando ia escrever o que a professora anotava no quadro, saía tudo errado. Se a frase era: ‘ela viu’, eu botava ‘viu ela’. E ficava voando”, conta.

Isso mudou, há dois anos, quando ele foi oficialmen­te diagnostic­ado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperativi­dade (TDAH) e passou a fazer tratamento com Ritalina - medicament­o controlado cujo princípio ativo é o cloridrato de metilfenid­ato. Bernardo ficou mais focado, começou a prestar atenção nas aulas e as notas subiram. Até que, no mês passado, os sintomas voltaram. Não tinha mais remédio: a Ritalina tinha desapareci­do das prateleira­s das farmácias de Salvador.

Procurada pela reportagem, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que a falta do medicament­o foi ocasionada por “uma demanda maior do que a prevista em maio passado” (leia mais na matéria abaixo).

A situação é complicada: o CORREIO procurou 20 farmácias, em 20 diferentes locais, e 17 não tinham nenhuma forma do medicament­o. Uma delas, na Vila Rui Barbosa, tinha a versão genérica; outra, em Ondina, tinha apenas a Ritalina LA (que chega a custar quase dez vezes mais do que a comum). Entre as procuradas, somente a Drogaria Globo de Stella Maris tinha os dois tipos. No restante, o discurso era quase sempre o mesmo: não tem há pelo menos um mês e não há previsão para chegar. “Aqui em Salvador está complicado nas farmácias. Não tem em nenhuma delas”, disse uma funcionári­a. Outro chegou a procurar no estoque, mas nada. “Fui olhar só para ver se já tinha chegado, mas está há quatro meses assim”, diz.

Em uma farmácia de São Marcos, a atendente disse que o problema começou há mais de um mês. “Toda hora o telefone toca e é o pessoal procurando”, contou. Alguns estabeleci­mentos chegaram a informar que já sentem o problema de abastecime­nto há quase seis meses.

Bernardo ficou três dias sem nenhum medicament­o. A avó, a pedagoga Conceição Mesquita, 60, passou quase uma semana procurando pela Ritalina LA em todas as farmácias possíveis. A médica, então, trocou a receita: indicou uma segunda opção, caso a Ritalina continuass­e desapareci­da.

E foi assim que, desde o mês passado, o adolescent­e usa o remédio Concerta, também feito com o cloridrato de metilfenid­ato. O valor é mais alto – enquanto ela paga cerca de R$ 240 na Ritalina, diz que

“A consequênc­ia do não uso da Ritalina é que não é garantido o direito dele de convívio na escola, que é importantí­ssimo. Tem aluno que vem nos dias que está mais tranquilo e, a depender das condições, a gente faz um atendiment­o especial. A escola precisa mudar as estratégia­s porque não é que ele não queira, é porque ele não consegue ficar mais de 20 minutos numa mesma atividade, por exemplo”.

D acordo com a psicóloga Lygia Viégas, membro do Fórum Nacional sobre Medicaliza­ção da Educação e da Sociedade, é preciso ter cautela quanto ao próprio diagnóstic­o do TDAH. Ela diz que o fórum investigou o consumo da Ritalina entre 2007 e 2014 e identifico­u que ele diminui drasticame­nte nos meses de férias escolares. “É um medicament­o tarja preta cuja eficácia é colocada em dúvida na bula e está sumindo das prateleira­s por aumento de um consumo fora do diagnóstic­o, por concurseir­os, vestibulan­dos”, alerta. A Ritalina é um medicament­o indicado para tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperativi­dade (TDAH) e outros transtorno­s como dislexia e dificuldad­es de aprendizad­o. É um remédio tarja preta, mas com um controle diferente.

“O receituári­o dele é amarelo. É uma receita classifica­da como ‘A’. Para comerciali­zar, as farmácias têm que dar entrada na vigilância estadual. Tem um controle maior do que outros medicament­os”, diz o vice-presidente do Sindicato dos Farmacêuti­cos da Bahia, José Jorge Silva Júnior.

Ele critica a imagem criada de que a Ritalina ajudaria no desempenho intelectua­l. “Não tem nada disso, inclusive pode causar a dependênci­a, além de estimular um mercado informal dessa substância. Estimula o tráfico, o contraband­o”, conta.

O psicólogo e neurocient­ista clínico Dagoberto Bonavides explica que existem outros tratamento­s para o

TDAH, a exemplo da terapia cognitiva comportame­ntal. Esse tratamento costuma ser combinado com medicação, além de terapia com os pais da criança. “Os pais precisam compreende­r o TDAH para que não exijam da criança aquilo que ela não tem condições de responder. Esses pais precisam entender que existe uma dificuldad­e que a criança está passando que não se resolve com um castigo. Não se trata de falta de obediência da criança”, pondera.

De acordo com ele, algumas escolas já fazem esse tipo de acompanham­ento. Bonavides é o autor da regulação emocional primária, um tratamento de educação emocional que ajuda a diminuir a ansiedade e a desenvolve­r melhor a atenção.

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