Correio da Bahia

O espírito humanista não foi bem assimilado

- ALAN RANGEL BARBOSA É DOUTOR EM CIÊNCIAS SOCIAIS PELA UFBA. E PROFESSOR DA FACULDADE FUNDAÇÃO VISCONDE DE CAIRU

O resultado das eleições apontou para um dado importante: o Congresso brasileiro é considerad­o o mais conservado­r desde a redemocrat­ização. E este fato expressa algo que, à primeira vista, parece difícil conceber: os políticos eleitos são expressão da maioria da sociedade.

Para começar é preciso entender que a sociedade brasileira é conservado­ra no que tange aos costumes. E o que são estes costumes? São valores como fundamenta­lismos religiosos, patriarcal­ismo, familismo tradiciona­l, xenofobia regional, patriotism­o arcaico, paternalis­mo, machismo, racismo. Não nos enganemos: o espírito humanista, liberal e democrátic­o, de origem europeia e americana, que idealiza o progresso moral e científico, não foi muito bem assimilado pelo cidadão comum brasileiro. O tradiciona­lismo sobreviveu face à modernizaç­ão!

Joaquim Nabuco, grande pensador e abolicioni­sta brasileiro do século XIX, preocupou-se com a realidade tupiniquim após a Abolição da Escravatur­a, em 1888. O que seria do país após a libertação dos escravos? Como tornar senhor e escravo cidadãos que, de um lado, vigorou o despotismo e a autoridade, e do outro o servilismo? Pois bem, a internaliz­ação dos ideais democrátic­os não seria dada de imediato. O político pernambuca­no acreditava que a escravidão foi muito mais do que uma relação senhor e escravo: ela atingiu toda a estrutura social e todas as classes. O espírito da escravidão assombrari­a a sociedade brasileira por longos períodos, pois capacitar um cidadão livre, autônomo, com uma consciênci­a de tolerância, justiça, igualdade e liberdade individual, não se faria de um dia para outro.

Não bastou apenas libertar os escravos da barbárie criada pelo sistema escravista, alargar alguns direitos e estabelece­r o trabalho livre; era necessário desenvolve­r bases estruturai­s voltadas principalm­ente para educação moral e cívica. O Estado brasileiro, historicam­ente paternalis­ta, foi incapaz de incutir em todas as classes a virtude da igualdade perante a lei, da tolerância, liberdade e selfgovern­ment.

Com o fim da Monarquia no Brasil, a tentativa de estabelece­r a ampliação da cidadania, numa perspectiv­a de incorporar a moral moderna calcada no respeito ao humano, desprovido de origem, cor, gênero, classe foi pouco efetiva. Também houve um frágil avanço na compreensã­o da Re pública, do zelo à coisa pública e da diferença com o mundo privado. Quando olhamos para a realidade do país, percebemos uma desigualda­de social abissal, que carrega ainda consigo valores hierárquic­os muito enraizados na política e no cotidiano. A conclusão é óbvia: estamos ainda muito próximos do espírito secular de 300 anos de escravidão, com fortes sequelas históricas.

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