Eu não julgava tão importante e hoje eu não consigo viver sem. Se for para pedalar sem o relógio, eu nem vou, Diego Morais
Quem começa a fazer uma atividade física ou uma dieta sabe: os primeiros dias são sempre difíceis, mas com um estímulo, as coisas podem se tornar menos pesadas. Às vezes, esse estímulo pode ser a companhia de um amigo. Mas já pensou ter uma companhia para toda e qualquer atividade do seu dia, capaz de lhe dar esse estímulo e ainda alguns relatórios do seu desempenho? É assim que funcionam os wearebles, em bom português, as tecnologias vestíveis.
Relógios, óculos, aparelhos auditivos, marcapassos, walkman. Inúmeros são os objetos tecnológicos que foram sendo incorporados ao nosso corpo há bastante tempo e que podem ser chamados de vestíveis. No entanto, os wearebles se relacionam a um tipo muito particular de tecnologia, que começou a se popularizar a partir dos anos 2000.
“São tecnologias baseadas em sensores para capturas de dados, em algoritmos para agrupamentos desses dados e em uma interface de visualização dessas informações. Eles são dotados de uma sensibilidade performativa, ou seja, são mídias capazes de produzir, armazenar e trocar informações sobre as nossas experiências corporais diárias”, explica o pesquisador Elias Bittencourt.
Os wearebles mais comuns hoje são os smartwatches e as smartbands - os relógios e pulseiras inteligentes. Os primeiros simulam um relógio, têm pulseiras, visores e uma bateria maiores e sensores mais sofisticados. “O Apple Watch 4, por exemplo, monitora batimentos cardíacos, qualidade do sono, gasto calórico, quantidade de passos, permite identificar se você tomou uma queda, tem acesso à ficha de saúde pelo tipo sanguíneo e também permite que você fale ao celular”, exemplifica Bittencourt.
Já as smartbands são pulseiras, então são mais simples. A interface é bem restrita, com pequenos visores, nos quais você não consegue interagir de maneira muito sofisticada. “Acaba sendo um sensor no pulso, no qual você tem de acessar necessariamente o celular. Há smartband sem telas, só com leds, sensores e vibrações”, diferencia.
Há dois anos, o técnico em mecatrônica Diego Morais, 28 anos, decidiu investir em um acessório desses. O objetivo inicial era monitorar o desempenho das suas pedaladas, que passaram a ficar mais frequentes. Ele já fazia isso com um aplicativo instalado no celular, mas percebeu de imediato as vantagens do novo aparelho. “Eu comprei um relógio com um monitor cardíaco, porque ele dá informações muito mais precisas que as dos aplicativos. Com ele eu consigo monitorar as calorias gastas, o que me ajuda bastante em relação à minha alimentação. Eu posso fazer uma atividade de 20 minutos ou de três horas e o aparelho vai me informar o quanto eu perdi e o quanto eu preciso repor”, comenta.
Diego só tira o relógio do pulso uma vez por semana, durante 20 minutos, para recarregar a bateria. No restante do tempo, está sempre com o aparelho, monitorando sono, corridas, pedaladas e qualquer outra atividade cotidiana. “Com certeza, eu comecei a pedalar mais depois do relógio, porque a gente se empolga com a evolução e vai querendo melhorar”.
Hoje, Diego julga o relógio “completamente crucial” em sua rotina. “Eu não julgava tão importante e hoje eu não consigo viver sem. Se for para pedalar sem o relógio, eu nem vou”, sentencia, admitindo que sente uma fissura na observação desses índices. Diego não está só. De acordo com Bittencourt, a maior parte dos usuários de wearebles relata reconfigurações em seus hábitos e também uma mudança no sentido que dá a cada atividade a eles. “Eles começam a privilegiar as atividades que o sistema valoriza, e não exatamente aquelas que seriam mais saudáveis”, diz o pesquisador.
Assim, levar o cachorro pra fazer xixi pode ser encarado como melhor ou mais saudável que ir pegar peso na academia, simplesmente porque o sistema conta passos e esse sistema de contagem de passos não levaemcontaopesoqueapessoa carrega na musculação, por exemplo. “Eu acho que a tecnologia traz coisas muito interessantes, estamos vivendo um admirável mundo novo. Ao dar esses relatórios, ela de fato estimula que você ultrapasse seus limites, mas, nem sempre, o que você faz para alcançar isso é o mais saudável para você”, pondera Bittencourt.
Quando as smartbands se popularizaram nos EUA, em 2007, muitos usuários que compraram o equipamento visando monitorar a quantidade de passos e o gasto calórico para emagrecer acabaram engordando. A recorrência de casos chamou atenção da comunidade médica. O que aconteceu foi que os usuários passaram a confiar no aplicativo, sem avaliar o que acontecia com seus corpos ou se preocupar com uma rotina de exames. “Esses dispositivos não contextualizam dados e funcionam por aproximação, então, tem de se levar em conta cada indivíduo”, alerta Bittencourt.
Como todo dado pessoal vale ouro, é preciso ficar atento a como as grandes empresas de wearebles e os aplicativos a eles associados têm aproveitado essas informações. “Na área de saúde, claro, existe uma preocupação de como essas informações estão sendo utilizadas. Preocupações do paciente, do lado médico e das instituições de saúde. Com as novas regulamentações, é claro que essas preocupações crescem”, diz Elba Vieira, consultora de segurança e tecnologia da informação.