Crime contra a privacidade
A vida de uma recepcionista de 33 anos, de Feira de Santana, virou do avesso em 48 horas. Chantageada durante uma semana pelo dono de uma loja de telefonia celular da cidade, ela teve fotos íntimas divulgadas nas redes sociais, anteontem, 24 horas depois de conseguir a prisão em flagrante do suspeito. “Não acreditei. Achei que o pesadelo tinha acabado. Minha vida virou um inferno”, declarou a vítima, em entrevista ao CORREIO, na manhã de ontem.
A situação começou quando a recepcionista levou o celular na loja de Fernando Alves Souza Coelho, 34, para reparos. Lá, acabou deixando o aparelho para revenda e adquirindo um novo. Foi então que Fernando teve acesso a imagens e conversas íntimas da mulher de forma criminosa, ao acessar o aparelho antigo, e passou a ameaçá-la de divulgar o conteúdo na internet se ela não aceitasse ter um encontro sexual com ele.
Amedrontada pelas ameaças, a recepcionista aceitou ir ao encontro do empresário em um motel. Mas, no local, conseguiu ligar para a polícia. Preso em flagrante desde o último domingo, Fernando foi solto na manhã de ontem, após audiência de custódia, e irá responder às acusações em liberdade.
O advogado da recepcionista, Péricles Novais, disse que vai pedir à titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam/Feira de Santana) que apure a divulgação das fotos íntimas de sua cliente, que ocorreram mesmo após a prisão do suspeito. “Temos que saber como essas fotos vazaram. Isso é crime”, afirmou.
Segundo Novais, as fotos estavam no celular entregue na loja de telefonia de Fernando no dia 14 de outubro. A empresa Apple enviou um comunicado avisando que dados do aparelho foram acessados de um computador desconhecido nos dias 15 e 17 deste mês. “Se ele teve algum envolvimento nisso, vai responder também. Vamos pedir a apreensão do equipamento para perícia”, declarou o advogado da vítima.
Na manhã de ontem, Fernando passou por uma audiência de custódia na Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Por volta das 10h, o empresário deixou o local para responder pelos crimes de ameaça e conjunção carnal ou ato libidinoso em liberdade. O empresário saiu sem falar com a imprensa. Ele foi liberado porque, segundo a Justiça, não possuía antecedentes criminais e comprovou residência fixa.
“Não foi uma notícia que nos agradou, mas a sociedade quer uma resposta e a gente espera uma resposta positiva a longo prazo”, declarou a também advogada da vítima, Marcele Duarte.
A decisão da Justiça deixou a recepcionista revoltada. “Como pode isso? Ele é uma pessoa ruim. Acabou com a minha vida. Tranquei minha faculdade, minha filha de 15 anos não está indo à escola porque as fotos estão em toda Feira de Santana. Não saio sozinha. Cancelei meu Facebook, apaguei todas as fotos do meu Instagram. Ele arruinou minha vida”, desabafou.
A Justiça estabeleceu ainda que Fernando fique a 200 metros de distância da vítima, além de não manter contato algum com ela. “Mas essas medidas protetivas não adiantam. A gente cansa de ver mulheres sendo assassinadas mesmo com as medidas. Eu tenho medo do que ele possa fazer a mim ou a minha filha. Desde que isso começou, não dormimos”, disse.
No último dia 14, a recepcionista foi à Lengo Cel, situada na Rua JJ Seabra, Centro de Feira, na tentativa de consertar um aparelho iPhone. No entanto, durante a negociação, a recepcionista acabou comprando um aparelho novo. Ela teve um desconto após entregar o aparelho antigo – cautelosa, apagou todas as informações, mas o cuidado não surtiu efeito.
“Ele recuperou os dados móveis do iPhone de forma criminosa, usando recursos através de um computador e um cabo USB para invadir a privacidade dela”, contou o advogado Péricles Novais.
Dois dias depois, Fernando ligou para a recepcionista dizendo que queria um encontro amoroso, mas ela negou, respondendo que não tinha interesse e era comprometida. “Ele começou a enviar mensagens do tipo: ‘você não quer ir pelo amor ou pela dor?’. Ela perguntou: ‘Por que pela dor?’. Então, ele disse que tinha provas contra ela. Minha cliente perguntou que provas e ele enviou fotos dela nua e conversas íntimas do WhatsApp”, acrescenta o advogado.
As ameaças duraram uma semana. As mensagens chegavam ao celular da recepcionista várias vezes ao dia. Em algumas delas, a vítima pedia para Fernando Alves parar, que ele estava fazendo chantagem. O empresário, no entanto, insistia e dava detalhes do que pretendia fazer com a vítima.
Preso no último domingo, o empresário foi interrogado e autuado pela delegada Edileuza Suely Cardoso Ramos, titular interina da Deam. Conversas no WhatsApp entre ele e a vítima foram anexadas ao inquérito.