Quem tem medo de robô?
Lorena Villas Boas ainda estava no Ensino Fundamental quando criou seu primeiro projeto com fundamentos de robótica. Moradora de Candeias, na Região Metropolitana de Salvador, a jovem de 20 anos é uma ativista digital que se aproximou do universo da tecnologia a partir de um incômodo pessoal.
Quando era pequena, Lorena, que mora próxima à BR-324, gostava de brincar na porta de casa, mas como vivia às margens da rodovia, a brincadeira era perigosa. Foi então que ela e outros colegas de turma criaram o projeto de uma ponte levadiça, usando peças de LEGO e conhecimentos de robótica ensinados na escola onde estudava, que integrava a rede Sesi.
“Na escola, quando eu ainda era bem pequena e conheci a robótica, o ensino dessa habilidade era atrelado a outros temas e disciplinas na sala de aula, como geografia, matemática e português. Quando eu estava um pouco maior, com uns oito anos, aconteceu um torneio e o professor nos disse que pensássemos coisas para melhorar a nossa cidade”, conta Lorena.
E foi assim que ela e os colegas pensaram no modelo de ponte que, nos horários de pico, seria suspensa para a passagem dos veículos, permitindo às crianças brincar em segurança na parte de baixo do equipamento.
O projeto de Lorena e dos colegas foi um dos destaques da competição, mas o ganho para vida dela foi bem maior do que os elogios pela criatividade da ideia:
“A partir dessa experiência, passei a olhar a tecnologia com outros olhos e não parei mais de me envolver nessa área”, acrescenta a ativista, que também é aluna do curso de Técnica em Automação Industrial do IFBA – Instituto Federal da Bahia, foi uma das criadoras de um laboratório de robótica no instituto e é embaixadora do I am the code (Eu sou o código), programa criado pela senegalesa Mariémme Jamme com o objetivo de formar as líderes digitais do futuro.
O I am the code é uma iniciativa reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) que já está presente em 93 cidades de 42 países e é exemplo mundial de inclusão digital. Lorena viaja o Brasil ajudando a divulgar o programa e participando dos hackathons que servem como abre-alas para a chegada do programa em cidades como Recife (PE) e São Paulo (SP).
A jovem está otimista quanto à vinda do I am the code para Salvador e já batalha para criar um mutirão que possibilite trazer um dos hackathons para a cidade.
Assim como fez com a vida de Lorena, a robótica e a programação têm potencial para mudar o futuro das meninas e mulheres, geralmente preteridas quanto o assunto é habilidade em tecnologia.
Segundo Lorena, que promove oficinas de robótica e programação em comunidades de Salvador e RMS - este ano aconteceu uma dessas oficinas no Bairro da Paz -, a aproximação das meninas com a robótica se dá em um contexto em que elas olham para as ferramentas e enxergam um sentido prático para o seu dia a dia, buscando soluções para os locais onde moram, por exemplo.
“No começo, eu pensava em ensinar a construir carrinhos de controle remoto e daí que as meninas abandonavam o curso, porque ainda existe a ideia de que carrinho não é coisa de menina, enquanto eu olho para um carrinho e vejo ali a tecnologia. Então, passamos a trabalhar com a criação de coisas que elas poderiam associar ao cotidiano. Na oficina no Bairro da Paz, por exemplo, surgiu desde produtos para automatização de casa, até portões automáticos e lixeiras que corriam atrás das pessoas para as incentivarem a descartar o lixo da forma correta”, enumera Lorena.
Desmistificar a robótica e os fundamentos de programação necessários para se criar, por exemplo, aplicativos que facilitam a rotina, é a meta de quem trabalha para popularizar a tecnologia, como Lorena Villas Boas ou o professor Anderson Paulo da Silva,coordenador do curso de Programação de Jogos Digitais do Nave (Núcleo Avançado em Educação) do Oi Futuro.
Tirar totalmente a ideia que o senso comum faz de que programação e robótica são coisa do MIT (Massachusetts Institute of Technology) ou da Nasa, ambos nos Estados Unidos, ainda depende, segundo Lorena, de uma aproximação da tecnologia da realidade das pessoas comuns.
“A vantagem atualmente é a facilidade de acesso às plataformas. A tecnologia agora é muito mais simples do que tudo o que foi feito para levar o homem à lua”, opina Anderson Paulo.
Lorena complementa: “É preciso mostrar para as pessoas que a robótica, a programação e outras tecnologias nessa era da revolução digital estão por exemplo, nos aparelhos de raio-x ou nos equipamentos de tomografia, por exemplo”, cita.