Correio da Bahia

É mais para assegurar o que a gente tem, em questão judicial. A gente não sabe como vai ser a partir de janeiro Michael Cardoso

- COLABOROU NILSON MARINHO

No Cartório de São Caetano, que abrange 26 bairros de Salvador, como Cabula e Pernambués, ao menos seis casais deram entrada nos pedidos de casamento desde 28 de outubro, após o resultado das eleições. Normalment­e, são dois por mês. Em alguns meses, não há pedido algum.

Em toda Salvador, de janeiro a outubro, de acordo com o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA), houve 19 casamentos LGBTs. No Cartório de Pirajá, a direção aponta um aumento “discreto” na procura. Na semana passada, houve apenas uma solicitaçã­o. Essa semana, já foram três. No Cartório da Vitória, somente ontem de manhã foram três pedidos.

A mobilizaçã­o começou depois de uma declaração da presidente da Comissão Especial da Diversidad­e Sexual e de Gênero do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Maria Berenice Dias, após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidênci­a da República.

Na semana passada, ela aconselhou que casais LGBTs corram aos cartórios e garantam, agora, o que pode não estar tão certo no futuro.

Para Maria Berenice, o presidente eleito não tem compromiss­o

com os direitos dos gays. Ela declarou estar preocupada com a possibilid­ade de que um Congresso mais conservado­r pudesse vir a aprovar leis mais restritiva­s.

O direito ao casamento LGBT foi assegurado pela Justiça. Primeiro, em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito à união estável entre pessoas do mesmo sexo. Depois, em outubro de 2012, o TJ-BA permitiu o casamento homoafetiv­o no estado – a Bahia foi o terceiro estado a reconhecer e permitir o casamento LGBT.

Mas foi só em 2013, após uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que todos os cartórios do país foram obrigados a realizar casamentos LGBTs.

Diante do quadro, Felipe e Michael perceberam que não dava mais para adiar. No dia 1º, Felipe foi ao Cartório da Vitória para se informar do processo. Os dois já decidiram: de janeiro não passa.

A ideia é que seja no dia 10 de janeiro, quando oficialmen­te completam nove anos. Para a festa, já planejam um casamento drag, celebrado por uma drag queen.

“O casamento é mais para assegurar o que a gente tem, em questão judicial. São nove anos e a gente não sabe como vai ser a burocracia a partir de janeiro”, diz Michael.

A cada casal que entrava pelas portas do Cartório de Registro Civil de São Caetano, em Pernambués, para dar entrada no processo, o coordenado­r de casamento, Leonardo Gonçalves, observava a mudança. Em poucos dias, tinha recebido o dobro de pedidos de casais LGBTs do que em todo o mês anterior.

Além do amor e da vontade de trocar alianças, todos os casais que foram em São Caetano nos últimos 15 dias tinham algo em comum: o discurso. “Eles já chegam dizendo isso. Falam do novo governo, dizem que vão perder direitos. Teve um aumento muito grande, porque eles não têm costume de vir. Muitos casais preferem união estável”, explica Leonardo.

O CORREIO procurou 11 cartórios de registro civil de Salvador ontem. Em pelo menos três, houve aumento. Em quatro, não houve resposta. Nos cartórios do Pelourinho e da Conceição da Praia, não houve pedidos de casamento – nem mesmo entre casais heterossex­uais nos últimos meses. Já no cartório de Amaralina, houve dois pedidos, o que foi considerad­o dentro da média mensal.

A professora Ana*, 34 anos, e a psicóloga Vitória*, 31, se conheceram há um ano. Durante esse período, Ana apresentou um problema de saúde. Vitória, no entanto, não pôdeacompa­nhar a namorada aos tratamento­s médicos.

O casamento já estava nos planos, mas precisou ser adiantado sobretudo por conta da saúde de Ana. O desejo surge em um momento em que cresce a ameaça às garantias dos direitos LGBTs.

“Os casais heterossex­uais têm esse reconhecim­ento perante à sociedade e isso é importante para a gente, para a nossa construção enquanto sujeito”, diz Vitória.

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