Preconceito ainda barra doação
mente, põe em xeque a liderança masculina. “Tá errado isso aí. Aliás, talvez seja esse valor porque vem o Exército, vem a Polícia Militar, Civil, Federal... Eles estão ganhando por causa disso. Porque são ‘obrigados’”, sentencia.
A percepção não é tão equivocada, segundo a assessoria da Hemoba, que cita os impedimentos temporários que também influenciam a menor possibilidade de participação feminina. Uma mamãe, por exemplo, não pode doar no período da gravidez (9 meses), nem no período pós-gravidez (90 dias para parto normal e 180 dias para parto cesariano), e nem durante os 12 primeiros meses de amamentação. As diversas restrições que as mulheres encontram para doar reduzem as chances delas concorrerem em pé de igualdade com os homens, nessa “guerra dos sexos” do bem. No entanto, uma parcela do flanco masculino sai prejudicada, e por critérios bastante questionáveis: homens gays são, simplesmente, proibidos de doar sangue.
A situação recorrente, que começou a valer a partir de uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicada em 2002, virou tema de uma monografia, defendida no curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) pelo agora advogado Davi Cordeiro, 24. “A inconstitucionalidade da proibição de doação de sangue por homossexuais” levou nota máxima, neste mês, mas começou a ser gestada há dois anos. “Em 2016, fui impedido de doar para um amigo que faria uma cirurgia. Eu estava em perfeito estado de saúde, tinha um relacionamento estável com um mesmo parceiro. Ainda assim, meu sangue sequer foi coletado”, contou Davi, que a partir da experiência, começou a estudar a origem e natureza da proibição (ver entrevista).
Para provar que a situação, de fato ocorre, o repórter foi ao Hemoba e se passou por um doador homossexual. Ao ser chamado numa sala reservada, o médico da triagem colocou o medidor de pressão arterial, perguntou sobre as condições físicas do repórter e avisou que, por ser uma primeira doação, faria um questionário “para garantir a segurança de quem vai receber o sangue”. Segue o diálogo:
- Você já teve hepatite, malária?...
- Não.
- É diabético? Já teve convulsão? Câncer?...
- Também não. - Atualmente, tem alguém com quem você se relaciona sexualmente?
- Tenho um namorado, mas é uma relação estável. - Uma namorada? - Namorado!
- Há quanto tempo?
- Dois anos.
- Usam preservativo? - Sim. Sempre.
- Olha só. A questão é que, pela legislação, você não pode fazer doação.
- Mesmo sendo um parceiro fixo?
- Mesmo assim. É um absurdo, mas pela legislação atual, qualquer homem que pratica sexo com outro homem não pode doar. A não ser que tenha mais de um ano sem sexo. A legislação é preconceituosa mesmo.
Sim, a legislação é preconceituosa, mas o Ministério da Saúde nega esse viés. Em nota, comenta que a medida “atende recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e está fundamentada em dados epidemiológicos presentes na literatura médica e científica nacional e internacional, não tendo relação com preconceito ou orientação sexual do candidato”. Impedimentos temporários
• Estar grávida;
• Período pós-gravidez (90 dias para parto normal e 180 dias para parto cesariano); • Período de amamentação (durante um ano);
• Se estiver gripado, resfriado, com febre, espere 15 dias após os sintomas sumirem; • Tatuagem e/ou piercing nos últimos 12 meses (piercing em cavidade oral ou região genital impede a doação); • Ter feito procedimento endoscópico nos últimos 6 meses;
• Situações nas quais há maior risco de adquirir doenças sexualmente transmissíveis; aguardar 12 meses.
Impedimentos definitivos
• Quem teve diagnóstico de hepatite após os 11 anos de idade;
• Evidência clínica ou laboratorial das seguintes doenças transmissíveis pelo sangue: hepatites B e C, Aids (vírus HIV), doenças associadas aos vírus HTLV I e II, Doença de Chagas e sífilis;
• Usou droga ilícita injetável.