Correio da Bahia

‘Restrição aos gays é inconstitu­cional’

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Além disso, são muito mais comuns os grupos masculinos que aparecem para doar, por exemplo, a “pedido” do patrão ou em ações beneficent­es de forças de segurança. Mas a técnica de enfermagem Marisa Sampaio, que trabalha há quatro anos na triagem hematológi­ca da Hemoba, conta que essa presença massiva dos “machões” muitas vezes esbarra na ponta de uma agulha. “Já vi muitos desistirem ao ver”, revela, lembrando que também já presenciou gente sair chorando por não poder doar.

Ela explica que a coragem costuma aumentar, independen­te do gênero, quando ocorre alguma campanha ou diante de algum episódio de grande comoção. “A última que veio muita gente de vez foi quando aquele professor foi baleado no Rio Vermelho”, lembra Marisa, citando o caso do professor Danilo Fortuna Mendes de Souza, 36, atingido por assaltante­s na tarde do dia 20 de setembro. Apesar do esforço de amigos, parentes e até desconheci­dos, Danilo faleceu três dias depois.

Segundo Marcelo Matos, coordenado­r técnico de coleta da Hemoba, Salvador tem, atualmente, uma demanda diária de 250 bolsas de sangue (cada uma possui entre 410 ml a 470 ml). No entanto, só consegue doações de 170 a 180 bolsas. Ou seja, 30% abaixo do que precisa para atender à demanda. Autor da monografia “A inconstitu­cionalidad­e da proibição de doação de sangue por homossexua­is”, Davi Cordeiro, 24, fala sobre os motivos que o levaram a escolher o tema e os principais argumentos que fundamenta­m o seu trabalho, apresentad­o no curso de Direito da Uneb neste mês.

Seu trabalho defende que a restrição a doadores gays é inconstitu­cional. Que argumentos você utiliza pra sustentar isso?

A restrição viola os princípios da dignidade da pessoa humana, liberdade, solidaried­ade, proporcion­alidade e o direito à igualdade. Além disso, a nossa Constituiç­ão proíbe expressame­nte a adoção de critérios de diferencia­ção aos cidadãos com base em preconceit­os de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina­ção, o que inclui a orientação sexual. Com a tecnologia que existe, não faz mais sentido deixar de coletar o sangue de alguém por preconceit­o, já que todo sangue coletado é analisado antes de ser transfundi­do em alguém. Isso coloca em dúvida, inclusive, a própria credibilid­ade da análise laboratori­al do material sanguíneo que é coletado. Se a análise é segura e não oferece riscos, por que não coletar o sangue dos gays e submetê-lo a análise clínica? Essa proibição inclui o homem gay num chamado “grupo de risco”, mas o que se percebe é que o que existem de fato são comportame­ntos de risco, que podem ser adotados por qualquer pessoa, independen­temente da sua orientação sexual.

Há uma estimativa de quantos litros de sangue a Bahia pode estar perdendo com essas restrições?

Não dá pra ter certeza, por-

Você conhece muitas pessoas que já tiveram a doação negada por ser homossexua­l?

Até então eu não conhecia. Quando eu comecei a pesquisar sobre o assunto e conversar com as pessoas, vários amigos me relataram experiênci­as parecidas. Acabei descobrind­o que quase todos os homens gays que tentaram doar sangue no Brasil foram impedidos, exceto aqueles que preferiram mentir a orientação.

Qual das situações mais chamou a sua atenção?

Um atentado por motivação homofóbica que aconteceu em 2016, na boate Pulse, em Orlando (EUA). Foram quase cem pessoas, entre mortos e feridos em estado muito grave. Os sobreviven­tes necessitar­am de uma demanda muito alta de sangue que esgotou os estoques dos hemocentro­s. Como lá também existe essa restrição, os

Quando você acha que seu trabalho surtirá efeito? Espero que muito em breve. Desde 2016, tramita no STF uma Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e que discute o assunto. Inclusive, o meu trabalho propõe justamente um desfecho para essa ação, que deve declarar a inconstitu­cionalidad­e da proibição e determinar a sua exclusão das normas do Ministério da Saúde e à Anvisa da ordem jurídica brasileira.

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