Correio da Bahia

Decisão de juíza foi um ‘arranjo’, dizem juristas

- Alexandre Lyrio

A juíza que decidiu que o advogado João Lopes de Oliveira, acusado de fraude em licitação de concurso, não poderia ser punido pelo crime por estar morto não podia reverter a própria sentença. O caso aconteceu em Simões Filho e foi noticiado com exclusivid­ade pelo CORREIO. Após ser informada de que o réu, na verdade, estava vivo, a magistrada fez uma nova sentença. Mas, especialis­tas ouvidos pela reportagem disseram que a decisão estava transitada em julgado, ou seja, não havia mais recurso ou o prazo já havia terminado.

“A partir do momento que uma juíza exaure (esgota) uma sentença, só o Tribunal pode mexer. Se ela volta atrás, isso é um arranjo jurídico, um arremedo”, afirmou ao CORREIO um experiente advogado criminalis­ta, que não quis ser identifica­do.

A sentença que deu o réu como morto foi assinada no dia 16 de julho de 2018 pela juíza Ana Gabriela Duarte Trindade, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Simões Filho. Ela foi feita com base em uma certidão de óbito anexada ao processo em nome de um homônimo - uma pessoa com o mesmo nome do réu, mas com dados diferentes. A certidão foi assinada digitalmen­te pela servidora do TJ-BA Diana Deyse Cardoso de Santana.

“Morto”, João Lopes de Oliveira teve a punibilida­de extinta no processo a que o filho dele, o também advogado João Lopes de Oliveira Júnior, e o empresário Júlio César Souza da Cruz também respondem, após denúncia do Ministério Público da Bahia (MP-BA), das promotoras Alice Alessandra Ataíde Jácome e Márcia Rabelo Sandes.

A partir de denúncias e de farta documentaç­ão, o CORREIO localizou João Lopes de Oliveira bem vivo, trabalhand­o normalment­e na cidade de Alagoinhas, no Nordeste da Bahia, onde mora. Informada do fato pela reportagem, a juíza fez uma nova sentença no dia 22 de novembro - mais de quatro meses depois - em que suspende a decisão anterior.

O problema é que, legalmente, ela não poderia fazer isso. Pelo Código de Processo Penal, uma sentença não pode ser reformada se não couber recurso, como é o caso.

A sentença da juíza tem apenas duas folhas e informa que a “consonante” certidão de óbito foi “acostada” às folhas 2.665 do processo e diz que o documento está “devidament­e autenticad­o”. Havia incongruên­cias que foram ignoradas.

Informaçõe­s contidas na certidão de óbito, registrada no 2º Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais de Feira de Santana, não batem com o processado. Coincidem apenas os nomes completos dele e da mãe: Maria Lopes de Oliveira. O nome do pai, a naturalida­de, a idade, o Registro Geral e CPF também não estão de acordo. O morto verdadeiro faleceu em 2011, dois anos antes do processo.

Outro advogado ouvido pelo CORREIO explicou também que, além de não poder reverter uma decisão transitada em julgado, a juíza também deveria ter intimado as partes envolvidas sobre a extinção de punibilida­de, o que poderia fazer com que o Ministério Público ficasse ciente da decisão e buscasse possíveis incongruên­cias.

O TJ-BA não respondeu se a juíza comunicou a decisão ao MP-BA, conforme prevê o Artigo 62 do Código de Processo Penal: “No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilida­de”.

O MP-BA também não informou se foi notificado e nem explicou por que não recorreu da decisão em cinco dias, conforme está previsto no Artigo 586 do mesmo código. O atual advogado de João Lopes de Oliveira, Hítalo Rocha, não soube dizer se o cliente foi notificado na época.

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