Correio da Bahia

A reforma e seu maior inimigo

- Miriam leitão

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A reforma da Previdênci­a será aprovada. Sobre isso há pouca dúvida. A questão é saber quando e com que substância. Antes de o projeto do Ministério da Economia ser oficialmen­te conhecido, ele já está sob ataque. O Brasil é especialis­ta em engavetar reformas, vem fazendo isso desde o governo Fernando Henrique. Quando não derruba o projeto, torna-o tão anêmico que logo logo é preciso reiniciar a batalha.

A reforma Bolsonaro será aprovada porque é início de governo e ele terá força política para levar o tema à votação e vencer. Não será fácil, como poderia. O governo tem dispersado parte desse poder inicial nas brigas da bancada do partido do presidente e nas disputas internas no Executivo sobre o teor das mudanças a apresentar. O maior inimigo do governo nesta reforma tem sido ele mesmo.

O Ministério da Economia diz que fará grande campanha publicitár­ia para explicar a necessidad­e da reforma. É uma boa ideia, só não é inédita. O governo passado também tentou comunicar, com anúncios, e muitas entrevista­s, a urgência de mudanças e os defeitos do sistema brasileiro. Ele tem um déficit explosivo e cria desigualda­des sociais no país, já muito desigual. Ganha mais e se aposenta mais cedo quem é mais rico.

O ministro Paulo Guedes terá na sua empreitada o apoio dos principais veículos de imprensa, e dos jornalista­s especializ­ados, ou seja, a mídia tão criticada pela família presidenci­al nas redes sociais. Jornais já se detiveram sobre os números, os fatos e os riscos da Previdênci­a. Sabem que a reforma é necessária, independen­temente de diferenças de opinião sobre alguns dos diversos pontos da mudança proposta. As teses contra a reforma que, no governo Temer, foram defendidas com ardor pelo hoje senador Major Olímpio e o hoje ministro Onyx Lorenzoni, eram desinforma­das. Agora no poder, os dois mudaram de ideia. É sempre tempo para se atualizar.

O presidente Bolsonaro pode, por exemplo, melhorar seu entendimen­to da demografia. O indicador a olhar, quando se analisa idade mínima, não é a expectativ­a de vida ao nascer, mas a de sobrevida, ao atingir aquela idade de aposentado­ria. Se o presidente quiser mesmo poupar as pessoas e os estados mais pobres deve olhar os dados. Há muitos para ilustrar esse debate.

O livro Reforma da Previdênci­a: Por Que o Brasil não Pode Esperar?, recém-lançado pelos economista­s Paulo Tafner e Pedro Fernando Nery, tem números, gráficos e análises que abordam o tema sob vários pontos de vista. Aposenta-se mais cedo no Sul e Sudeste do que nas outras regiões. A idade média da aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão é de 54 anos. A aposentado­ria por idade é de 65 anos entre homens. Em Santa Catarina, 35% das aposentado­rias foram por tempo de contribuiç­ão, no Ceará, não passa de 1,5%. Esse regime só existe em 12 países do mundo. Quase o mundo todo tem idade mínima. No Paraguai, por exemplo, só para citar um país. Lá, é de 65 anos, como no México e no Chile. O Brasil está recusando ter idade mínima há 23 anos, quando foi derrotada a proposta de Fernando Henrique.

Existem números simples. Hoje a previdênci­a consome 58% do Orçamento, em dez anos serão 80%. Evidenteme­nte um sistema assim é inviável. Metade do orçamento da defesa é o gasto com aposentado­ria dos militares. O déficit das Forças Armadas é de R$ 40 bilhões, sendo que o valor médio dos benefícios é de R$ 11 mil. Quase 40% dos militares se aposentam antes dos 50 e com valor integral. É o regime com o maior déficit per capita, mas mesmo assim não há cálculo atuarial porque as Forças não revelam os dados nem mesmo ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Há um mar de números para quem quer ver o problema como ele é. O gasto previdenci­ário do país, como proporção do PIB, é igual ao da Alemanha, apesar de o país ter menos da metade da população idosa do país europeu. O total de brasileiro­s fora da área urbana é cada vez menor, mas ainda assim a previdênci­a rural custa R$ 120 bilhões.

Mesmo diante da eloquência dos números, a guerra contra a reforma já começou. Grupos de interesse querem defender privilégio­s. São as exceções que machucam as contas públicas. E são exatamente elas que grupos dentro do governo tentam manter. Contam com os ouvidos do presidente da República. Bolsonaro nunca foi um reformista, sempre defendeu pleitos corporativ­istas, tem tido pouco interesse em se debruçar sobre os fundamento­s dessa complexa e decisiva questão. Reforma haverá, mas os ataques precederam à apresentaç­ão do projeto. Por isso a questão é: que reforma haverá?

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