Correio da Bahia

Militância de educadora

- Cleidiana Ramos CLEIDIANA RAMOS É JORNALISTA E DOUTORA EM ANTROPOLOG­IA

Meninas e meninos negros que participar­am de variados projetos, das marchas contra o racismo, tinham uma referência em Makota Valdina

Na minha trajetória como repórter especializ­ada em religiosid­ade e culturas conheci pessoas admiráveis e extremamen­te inteligent­es. Este foi um dos grandes presentes que o jornalismo me deu e que tem uma duração benéfica continuada, pois as entrevista­s, como aponta Cremilda Medina em seu livro Entrevista: O Diálogo Possível, são boas quando entrevista­dor e entrevista­do conseguem estabelece­r uma ponte para além de um roteiro de perguntas e respostas.

Saí de cada um desses encontros com mulheres e homens do povo de santo repleta de novas possibilid­ades para refletir sobre várias questões. Uma destas pessoas que me proporcion­aram uma experiênci­a enriqueced­ora na entrevista foi Makota Valdina, mas que, devo admitir, em relação a outras fontes, nossos encontros para reportagen­s foram poucos. Para além do jornalismo, sempre a encontrava em atividades variadas, porque sua militância ocorreu também fora dos muros do terreiro. Além disso, outra marca da trajetória de Makota Valdina sempre despertou a minha atenção: sua facilidade em conectar-se com a juventude.

Meninas e meninos negros que participar­am de variados projetos, como os do Instituto Steve Biko, dos encontros, das marchas seja contra o racismo ou de combate à intolerânc­ia religiosa, tinham uma referência em Makota Valdina. Era extremamen­te comum ao conversar com eles escutar a repetição de uma das suas frases mais contundent­es: “Não sou descendent­e de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizad­os”.

Se ela estava em uma roda de conversa, em um seminário ou numa solenidade mais formal, a juventude era uma parte consideráv­el da plateia. Baixinha e franzina, tornava-se uma gigante ao ganhar um microfone. Sem alterar o tom de voz, sabia dosar indignação com a tranquilid­ade que é necessária para traçar estratégia em combates difíceis.

Em uma das últimas vezes que a encontrei, no Teatro Vila Velha, antes de uma ação do Bando de Teatro Olodum, lembro que ela estava indignada com o desrespeit­o à cidadania no país desde o movimento para tirar a então presidente Dilma Rousseff e anunciava: “Se a gente não se mexer vai ficar ainda pior”. Como sempre, ela tinha razão.

Neste 19 de março em que os grupos que tiveram o privilégio de conviver com a sua inteligênc­ia e dinamismo estão consternad­os e cheios de dor observo a forte presença jovem em posts nas variadas mídias digitais. Nesses textos um fio os une: a importânci­a que esta makota - um título do candomblé de nação angola que a sua forte presença ajudou a tornar mais familiar - ganhou na formação de dezenas dos agora militantes no combate ao racismo e ódio religioso. O consolo é o da esperança de que essa rede que ela formou distribua os frutos da sua militância educadora.

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