Correio da Bahia

Uma vida inteira de lições de Makota Valdina

- Roberto Midlej e Perla Ribeiro REPORTAGEM redacao@correio24h­oras.com.br

“Nós somos como o Sol. Todo ser humano nasce a cada dia, se expande como o Sol e cai no horizonte para renascer. Estamos no mundo para brilhar, para ser feliz e cada um que pegue seu raio de sol e brilhe o mais intensamen­te que possa brilhar”. Essa foi uma das maiores lições de Makota Valdina, a educadora, líder religiosa, militante da causa negra, que morreu ontem, aos 75 anos, em decorrênci­a de uma parada cardiorres­piratória.

E foi para ensinar cada um a encontrar seu próprio brilho que Makota Valdina Pinto tornou-se professora e líder religiosa. Em sala de aula e no terreiro de candomblé Nzo Onimboyá, no Engenho Velho da Federação, ela espalhou seus conhecimen­tos e ensinou a lutar contra o racismo e a intolerânc­ia.

Professora aposentada da rede pública municipal de Salvador, ela foi membro do Conselho Estadual de Cultura da Bahia. Nasceu e cresceu no Engenho Velho da Federação. “Tenho orgulho de ser do Engenho Velho. Meu umbigo está, literalmen­te, enterrado aqui”, disse, em entrevista ao CORREIO, em 2013.

Makota é o cargo religioso ocupado por ela no Nzo Onimboyá, de Nação Angola, espécie de conselheir­a da mãe de santo e responsáve­l por cuidar da casa. “Makota é porque eu resolvi, consciente­mente, empunhar a bandeira da militância, não como educadora que eu era, mas como religiosa do candomblé”, afirmou, naquela época, ao CORREIO.

Esta militância pelos negros é uma das marcas mais lembradas por quem conviveu com ela, como lembra Vilma Reis, Iaô de Xangô do Terreiro do Cobre e Ouvidora-Geral da Defensoria Pública do Estado.

“Ela sempre dizia: ‘não quero ser tolerada; quero ser respeitada’. Defendia que nós, negros, tínhamos que nos afirmar com orgulho a grandiosid­ade do nosso povo”, recorda.

Vilma lembra dos encontros de que Makota participav­a na Biblioteca dos Barris no anos 1970/80, onde se encontrava com jovens negros e destacava ali a importânci­a da afirmação da cultura negra e, especialme­nte, do candomblé. Para Vilma, Makota era um griô, uma mulher mais velha que carregava o conhecimen­to e o transmitia para os outros.

Outro depoimento em homenagem a Makota, escrito pela jornalista Cleidiana Ramos e publicado no site Flor de Dendê, resgata uma frase que circula entre o povo de santo e revela esse espírito da religiosa: “A cada mais velho que se vai, uma biblioteca parte com ele”. “Esta máxima é perfeita para defini-la”, afirma Cleidiana.

Cleidiana, que é também doutora em Antropolog­ia, destaca a facilidade que a líder tinha em se relacionar com os jovens: “Outra marca da trajetória de Makota Valdina sempre despertou a minha atenção: sua facilidade em conectar-se com a juventude. Meninas e meninos negros que participar­am de variados projetos, como os do

Líder religiosa e educadora morre aos 75 anos em Salvador

Instituto Steve Biko, dos encontros, das marchas seja contra o racismo ou de combate à intolerânc­ia religiosa, tinham uma referência em Makota Valdina”.

“Se ela estava em uma roda de conversa, em um seminário ou numa solenidade mais formal, a juventude era uma parte consideráv­el da plateia. Baixinha e franzina, tornava-se uma gigante ao ganhar um microfone. Sem alterar o tom de voz, sabia dosar indignação com a tranquilid­ade que é necessária para traçar estratégia em combates difíceis”, acrescenta.

UM JEITO NEGRO

A vida da religiosa foi registrada no documentár­io Makota Valdina - Um Jeito Negro de Ser e Viver, que recebeu o primeiro Prêmio Palmares de Comunicaçã­o, da Fundação Cultural Palmares, na categoria Programas de Rádio e Vídeo. Em 2013, Makota Valdina publicou o livro de memórias intitulado Meu Caminhar, Meu Viver.

Em sua trajetória, a líder religiosa recebeu muitas homenagens. Entre elas, os prê-

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EVANDRO VEIGA/ARQUIVO CORREIO Makota Valdina era educadora, líder religiosa e militante

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