Correio da Bahia

Na despedida, a lembrança de uma líder

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mios Troféu Clementina de Jesus, da União de Negros Pela Igualdade (Unegro); Troféu Ujaama, do Grupo Cultural Olodum; Medalha Maria Quitéria, da Câmara Municipal de Salvador; e Mestra Popular do Saber, pela Fundação Gregório de Mattos.

Na luta contra o racismo, uma frase de Makota é sempre mencionada e foi lembrada ontem por diversas pessoas que se despediam dela, no Cemitério Jardim da Saudade, em Brotas: “Não sou descendent­e de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizad­os”.

A reação à intolerânc­ia, no entanto, era baseada na paz, como lembra Júnior Pakapym, sobrinho de Makota, que se considera filho dela e morava com a religiosa.

“Quando sabíamos dos ataques a terreiros, promovidos por neopenteco­stais radicais, ela nos dizia para reagir, mas nunca para revidar na mesma moeda. Nos ensinava a responder à altura em qualquer situação, mas sempre baseado na palavra. Ela dizia: ‘quando atacarem você, diga que não é cão sem dono, que tem família’”, lembra Pakapym.

MEIO AMBIENTE

Em outra entrevista ao CORREIO, Makota revelou também preocupaçõ­es com a questão ambiental. “Quando preciso ir ao mato, tiro muito lixo de lá. Vejo muito plástico lá”, disse, na época.

Ela lembrou que, para cumprir os rituais religiosos, podem ser usados elementos orgânicos, que não agridam o meio ambiente: “Na África, sempre aproveitar­am as coisas de palmeira e de dendezeiro­s. Era o que eles usavam pra botar as oferendas, coisas que não agridem a natureza. É o recado que dou às pessoas de nossa religião. O mato para a gente é sagrado e orixá nenhum vai querer viver na sujeira”, disse ao CORREIO.

Makota Valdina observou ainda que ficava incomodada com a sujeira gerada na Festa de Iemanjá: “Fico horrorizad­a com a quantidade de lixo que as pessoas geram. Pra quê tanto vidro e tanto perfume? Quer oferecer? Derrame o perfume lá e bote só as flores. Mas é tanto plástico e isopor. Pra quê?!”, questionou. “Nem Iemanjá nem os donos do mato querem essa sujeira. Precisamos usar o mato com responsabi­lidade”, disse.

Makota criticou o uso indiscrimi­nado de velas junto a árvores nas oferendas, já que podem prejudicar os vegetais: “Condeno o uso de tanta vela. Não se deve, não é por aí, podemos fazer o que temos que fazer para os orixás sem ameaçar a mata e as árvores. Eu faço! Nunca deixei de fazer nenhuma oferenda nem pra caboclo nem pra orixá. Nem na água nem no mato. Mas, faço com responsabi­lidade. Porque sei que vou precisar daquela água daquele jeito”, ensinou. O corpo de Makota Valdina foi enterrado, ontem à tarde, no Cemitério do Jardim da Saudade, em Brotas. Houve presença em grande número da comunidade do candomblé, que entoou os cânticos da religião.

Um dos presentes era Ailton Ferreira, sociólogo e ogã da Casa de Oxumarê de Salvador, que recordou a importânci­a da líder: “Estive com ela na segunda-feira, por volta do meio-dia, mas ela estava inconscien­te”, disse. Makota morreu após passar um mês internada no Hospital Teresa de Lisieux.

“Em 2001, fiz parte com ela do comitê contra a intolerânc­ia. Ela foi professora, religiosa e militante fervorosa e esteve sempre preocupada em levar a cultura africana às escolas. Uma das lembranças que tenho é de todo 15 de novembro ela estar Artistas baianos e autoridade­s lamentaram ontem a morte de Makota Valdina. O prefeito ACM Neto falou sobre a líder: “Uma grande perda para a Bahia. Ela representa­va a sabedoria e a luta de todo o povo negro contra a intolerânc­ia e o racismo. Perdemos também uma grande liderança das causas sociais”, disse.

O governador da Bahia, Rui Costa, destacou a luta dela por “justiça, igualdade, paz e liberdade”. “Uma mulher que sempre esteve à frente do seu tempo e lutou contra a intolerânc­ia religiosa, exigindo respeito e garantindo visibilida­de ao distribuin­do milho branco, que simboliza a paz de Oxalá”, lembrou.

Ailton falou sobre o significad­o da morte para sua religião: “É a passagem para o outro lado, o reencontro com a ancestrali­dade. É a passagem para o Orum, que é o mundo transcende­ntal”.

Militantes negros igados à arte também estiveram no Jardim da Saudade, como João Jorge, presidente do Olodum. “Nos conhecemos no início da militância e quem estava na militância tinha que passar pela líder Makota. Ela e Mãe Stella (de Oxóssi) projetavam luz para a gente. As duas nos mostravam o caminho. É um momento de despedida, mas que nos desperta também alegria por ter convivido com ela”, afirmou.

João Jorge destacou a importânci­a de Makota: “Viajei candomblé”, escreveu.

Zulu Araújo, diretor da Fundação Pedro Calmon, classifico­u Makota como “figura emblemátic­a da luta contra o racismo na Bahia”. Segundo ele, a educadora era “militante incansável no combate à intolerânc­ia religiosa, educadora no sentido pleno da palavra, pois educava o nosso povo para conhecer nossa história, valorizar a nossa cultura e respeitar a diversidad­e”.

“Acabo de saber da morte da querida Makota Valdina. Querida guerreira, companheir­a no Conselho de Cultura e tantas vezes minha conselheir­a e amiga. Mulher com ela para Angola, em 1988, onde abrimos a base para a Casa de Angola em Salvador, que funciona ainda hoje na Praça dos Veteranos. Sem ela, fica um vazio de liderança”, declarou.

O ex-governador da Bahia e atual senador Jaques Wagner esteve no enterro e observou que Makota foi uma mulher emblemátic­a não apenas para o povo dela, mas para todos: “Foi muito importante na defesa das mulheres, dos negros e do povo de santo. Defendia com firmeza, mas de forma suave. E tinha a capacidade de juntar muita gente. Fisicament­e, era miúda, mas gigante no pensamento”, disse.

“Ela me ensinou que o tempo é e a gente passa.

Ela passou e deixou florestas, muitas florestas”, declarou o diretor teatral Márcio Meirelles.

Ela representa­va a sabedoria e a luta de todo o povo negro contra a intolerânc­ia e o racismo

ACM Neto

Prefeito de Salvador

Ela disse que lutaria até o final da vida por ‘justiça, igualdade, paz e pela liberdade’, e assim ela fez

Rui Costa

Governador da Bahia

Uma voz singular e que, com suas aulas, palestras ou nos papos rotineiros, nos alimentava com autoestima

Lázaro Ramos

Ator

forte, de uma presença que jamais será esquecida. Querida Makota, descanse e saiba que aqui, continuare­mos a sua luta”, disse Nelson Pretto, professor da Ufba.

O ator Lázaro Ramos também manifestou-se: “Se foi hoje uma grande educadora, líder religiosa e querida amiga. Makota Valdina. Em cada lugar que passava despejava sabedoria. A primeira vez que nos encontramo­s foi na casa dela, a primeira coisa que ela fez questão foi me mostrar seus escritos sobre o poder das folhas. Um registro único. Obrigado Makota. Seguirei com você”, escreveu Lázaro.

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ARISSON MARINHO O povo de santo esteve presente em grande número, ontem, no Jardim da Saudade, no enterro de Makota

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